O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses está em 2,44%, levemente abaixo do piso da meta de inflação de 2020 (Gráfico 1). Além disso, a expectativa do mercado é que o IPCA fique próximo da meta – que vem caindo anualmente – até 2023. Sob essa perspectiva, a inflação não é um problema relevante no presente e no futuro próximo.

Fonte: IBGE e BCB
No Brasil, a crise econômica e as medidas de distanciamento acarretada pela Covid-19 tiveram início em março de 2020. Os impactos econômicos da Covid-19 são complexos porque ocorrem simultaneamente a diminuição da oferta, resultado direto do menor nível de produção em diversos setores, e da demanda, resultado do desemprego – aberto ou oculto – em massa.
De março a agosto de 2020, o IPCA acumulado foi de 0,24% (Gráfico 2), patamar muito baixo que, ao menos em parte, resulta da profunda recessão que estamos vivendo, evidenciando o predomínio do choque de demanda na dinâmica da inflação aos consumidores dos últimos meses. Esse índice parece corroborar a afirmação anterior de que a inflação não é um problema relevante no presente. Infelizmente, a realidade é mais complexa.
A evolução dos componentes do IPCA, embora intuitiva, é muito desigual: a elevada deflação em transportes, educação (concentrada em agosto) e vestuário contrasta com a elevada inflação dos alimentos e comunicações (Gráfico 2). Esse movimento tem ocorrido em outros países e reflete as medidas de distanciamento social. Como alimentos tendem a representar maior parcela do orçamento das famílias de menor renda, essa inflação é regressiva. Embora o auxílio emergencial compense a maior inflação para as pessoas mais pobres, há o risco de piora dos hábitos alimentares na base da pirâmide, com troca de produtos in natura por alimentos processados, cujo resultado inevitável é a piora de doenças como obesidade, hipertensão e diabetes, que figuram há anos entre as causas mais relevantes de mortes entre brasileiros. Portanto, além de regressivo, o aumento no preço dos alimentos pode afetar negativamente indicadores de saúde da população mais pobre.

Fonte: IBGE
Outro aspecto que merece atenção é a evolução dos preços do atacado desde maio. Nesta semana, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou que o Índice de Preços ao produtor Amplo (IPA) aumentou 5,44% em agosto, resultando em aumento acumulado de 21,6% nos últimos 12 meses, patamar que não ocorria desde o terceiro trimestre de 2003 (Gráfico 3). Até o momento, os empresários têm acomodado a alta de custos com redução de margens de lucros. Há o risco de que, caso ocorra retomada da atividade econômica, essa alta de custos seja repassada aos consumidores, forçando o Banco Central a elevar a taxa Selic, o que, por sua vez, prejudicaria a (insuficiente) recuperação econômica prevista para 2021.

Fonte: FGV
Conclusão
O IPCA acumulado nos últimos meses e as expectativas até 2023 indicam que, atualmente, a inflação não seria um problema no Brasil. Por outro lado, a decomposição do IPCA evidencia que a inflação tem sido mais alta para os mais pobres. Embora o aspecto regressivo possa ser compensado pelo auxílio emergencial (supondo que o auxílio persista por tanto ou mais tempo que a alta inflação dos alimentos), a possibilidade de piora de padrão alimentar resultará em problemas de saúde pública. Outro aspecto relevante é saber como, quando e com que intensidade os empresários irão repassar a alta nos custos dos últimos meses. Em suma, a inflação brasileira não tem sido um problema para as pessoas de maior renda, mas pode ter repercussões graves nas famílias mais pobres, nas empresas e na inflação ao consumidor dos próximos meses.