Breves (e superficiais) reflexões sobre o Brexit

No referendo pelo qual os eleitores do Reino Unido decidiram sair da UE, há relevantes questões regionais (Escócia, Irlanda do Norte e grandes cidades da Inglaterra votaram pela manutenção na EU, ao passo que o interior da Inglaterra votou pela saída da EU) e etárias (o apoio ao Brexit foi esmagador entre os mais velhos, que possuem escolaridade menor que os mais jovens). Ainda assim, um dos aspectos fundamentais para o resultado do referendo foram a queda de padrão de vida dos trabalhadores e aumento das desigualdades que vem ocorrendo desde os anos 80.

Cabe ressaltar que a integração do Reino Unido é menor que a dos demais países: o país não aderiu ao Tratado de Schengen, que inclui alguns países extracomunitários como Suíça, Noruega e Islândia. Mais importante ainda é que o Reino Unido, assim como Suécia e Dinamarca, teve a sabedoria de não adotar o Euro. Certamente que a crise do Sistema Monetário Europeu, em 1992, pesou na decisão. Ainda assim, outros países que sofreram a crise do SME, como Espanha, Itália, Portugal e Grécia, com histórico inflacionário pior que o do Reino Unido, aderiram à moeda única. A não adesão à moeda única foi fator decisivo para que o Reino Unido tivesse performance significativamente melhor que os países do sul após a crise de 2008.

Apesar de sempre demonstrarem ceticismo quanto à EU, há diversos estudos empíricos comprovando que, economicamente, o Reino Unido foi dos países que mais obteve vantagens com a EU. Ninguém sabe exatamente qual será a perda econômica pela saída da EU porque os termos do Brexit não estão definidos. Para o cidadão comum, a culpa é atribuída aos imigrantes, à burocracia de Bruxelas e ao setor financeiro. A esmagadora maioria dos estudos sobre imigração comprova que o impacto econômico é positivo para os países que recebem imigrantes, especialmente quando o país receptor tem baixas taxas de fecundidade e população em acelerado processo de envelhecimento. E no caso do Reino Unido, parte considerável dos imigrantes sequer pertence à EU, são de países da Commonwealth. Os imigrantes da EU são os mais qualificados e dificilmente o país abrirá mão de atrair mão de obra qualificada. Outro aspecto sensível são os acordos no mercado de capitais e setor financeiro europeu. A City certamente usará de todo seu poder de fogo para manter esses acordos porque há uma ameaça real de que Londres perca espaço para Frankfurt. Por isso, é provável que diversos dos acordos de livre movimento de capitais e liberalização financeira continuem vigentes. Para a EU isso não seria algo novo: o mercado financeiro suíço é bastante integrado com o mercado financeiro alemão, sem que a Suíca faça parte da EU. Como a EU é o mercado mais importante para as exportações britânicas, é provável que o grande perdedor com o Brexit seja o setor industrial.

Por essas razões, entendo que o Brexit vai ser fonte de frustração para os britânicos. Em primeiro lugar, porque os eleitores que votaram pela saída da EU são homogêneos quanto ao que não querem (o establishment), mas heterogêneos quanto ao que querem. Segundo, porque provavelmente resultará em acirramento das rivalidades regionais do Reino Unido. Terceiro, porque não se propõe a enfrentar a desregulamentação do mercado de trabalho e o corte de políticas sociais que contribuíram para a piora da situação econômica da classe trabalhadora britânica. Em vez disso, o esperado empobrecimento relativo tende a prejudicar os mais pobres. Finalmente, porque o setor financeiro, um dos principais causadores da crise e que é visto de maneira muito negativa pela população, continuará exercendo influência política e não irá poupar esforços para manter a desregulamentação e abertura financeira.

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