A inflação argentina tem caído, mas em ritmo insuficiente para evitar uma desvalorização do peso

Esta semana, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC) divulgou que, na Argentina, a inflação aos consumidores foi de 2,7% em junho. Embora alta para padrões brasileiros, foi a terceira redução mensal consecutiva e primeira redução de 2019 no acumulado de 12 meses, de 57,4% para 55,9% (Gráfico 1). À primeira vista, isso parece indicar que a política de controle da inflação baseada em controle das taxas de câmbio e dos preços de alguns produtos da cesta básica esteja surtindo efeito, o que é crucial para os planos de reeleição de Macri.

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Fonte: INDEC

Entretanto, as perspectivas não são tão alvissareiras quanto parecem: tanto a inflação acumulada em 12 meses, 55,9%, quanto a inflação esperada para os próximos 12 meses, 30%, são muito elevadas. Um dos maiores problemas acarretados pela inflação elevada é a sobrevalorização da taxa de câmbio efetiva que, por sua vez, gera a necessidade de novas desvalorizações cambiais, que realimentam a já elevada inflação. Nos últimos 12 meses, a cotação do dólar aumentou de 27 para 42 pesos, mas, devido à elevada inflação, a taxa de câmbio efetiva ficou no mesmo patamar. Com isso, o déficit em transações correntes acumulado nos 12 meses encerrados em março de 2019, último dado disponível, foi de quase USD 22 bilhões, mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) argentino, consideravelmente elevado para uma economia em recessão.
Como a inflação dos principais parceiros comerciais da Argentina é baixa, isso significa que, mantida atual cotação de cerca de 42 pesos por dólar, a taxa de câmbio efetiva da Argentina também irá se apreciar em quase 30% nos próximos 12 meses, atingindo o mesmo patamar efetivo do final da década de 1990 e do final do mandato de Cristina Kirchner, ou seja, claramente sobrevalorizado (Gráfico 2).

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Fonte: BCRA

Embora a desvalorização cambial seja inevitável, é provável que os ajustes sejam postergados para depois das eleições, estratégia adotada por Macri nas eleições legislativas de 2017. Embora conte com instrumentos limitados, o Banco Central da República Argentina (BCRA) pode auxiliar o presidente nessa tarefa, pois as reservas internacionais estão em cerca de USD 64 bilhões (Gráfico 3) em decorrência de aportes do Fundo Monetário Internacional (FMI). A experiência recente tem mostrado que o adiamento de ajustes em função do calendário eleitoral tem custado muito caro para a Argentina. Ironicamente, se o BCRA fosse autônomo e com mandato explícito, como defendido pela maioria dos economistas liberais, o uso eleitoreiro do BCRA poderia ser evitado.

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Fonte: BCRA

Por que não vender parte das reservas se o real está se desvalorizando?

Desde o início de fevereiro, a cotação do dólar aumentou em R$ 0,30, para R$ 3,97. Se a causa fosse fuga de capitais, seria o momento ideal para o Banco Central do Brasil (BCB) vender parte das reservas, mitigando a depreciação cambial e, ao mesmo tempo, abatendo a dívida. Ocorre a depreciação cambial recente não decorre da escassez de dólares no mercado à vista, tanto que no mesmo período as reservas aumentaram em USD 3 bilhões, para USD 392 bilhões. A deterioração da confiança no governo Bolsonaro está levando à alta do dólar nos mercados de derivativos, pressionando a cotação do dólar à vista. Mesmo se entender que deve intervir para reduzir a cotação do dólar, o BCB não deve vender dólares, mas renovar e aumentar o estoque de swaps cambiais vincendos, hoje em quase USD 70 bilhões. Isso ilustra bem meu ceticismo às propostas de Ciro Gomes e Paulo Guedes de vender parte das reservas para reduzir a dívida pública bruta. Embora favorável à ideia, reconheço que a operacionalização é difícil, pois não há escassez de dólares no mercado à vista, pois, segundo o BCB, em março (último dado divulgado) o déficit em transações correntes, USD 0,5 bilhões, foi mais que financiado pelo ingresso de investimento no país, USD 6,8 bilhões.

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Fonte: BCB

Para tentar acalmar o mercado e trazer otimismo, após decretar sigilo sobre os cálculos que embasaram a Proposta de Emenda Constitucional 06/2019 (Reforma da Previdência), o governo aumentou a estimativa de impacto fiscal (aumento de receitas e redução de despesas) com a reforma da previdência nos próximos dez anos de R$ 1 trilhão para R$ 1,2 trilhão, sem, no entanto, demostrar os pressupostos e a memória de cálculo. O Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado, partindo de pressupostos mais transparentes e metodologia de cálculo mais sóbria, estimou impacto fiscal expressivo, mas significativamente menor . Mesmo se a economia efetiva com a PEC 06/2019 for mais próxima da divulgada pelo IFI, “o gasto previdenciário agregado se estabilizaria em proporção do PIB em dez anos”, o que injetaria otimismo no mercado e, portanto, diminuiria a cotação do dólar. O mercado tem mostrado pouca sensibilidade às diferentes estimativas de impacto fiscal porque o fator decisivo para a aprovação da reforma da previdência é a articulação política do governo, que tem se mostrado precária – vide a retirada de quatro pontos da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Mais relevante que saber qual estimativa é a mais precisa, o mercado está atento para as emendas parlamentares e substitutivos apresentados. Mesmo se a reforma for aprovada, sabe-se que o impacto fiscal nos próximos dez anos será significativamente menor que R$ 1 trilhão. A incerteza quanto ao que será aprovado explica a recente depreciação do real.

Segurança jurídica ou medida que agrada aos mercados?

Em artigo publicado no final do ano passado, Daniel Steinberg chama atenção para o que seria um processo de aprimoramento institucional na coordenação entre as políticas fiscal, monetária e cambial que estaria ocorrendo no Brasil desde a criação do Banco Central do Brasil (BCB) pela Lei 4.595/64, com destaque para a extinção da conta movimento do Banco do Brasil em 1986, a proibição de financiamento do Tesouro Nacional pelo BCB pela Constituição de 1988, pela “implementação do Plano Real e adoção de medidas específicas do tripé macroeconômico, como as metas de inflação” e a pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), que proibiu a emissão de títulos pelo BCB e determina que eventuais resultados positivos do BCB sejam depositados para a União após a constituição de reservas e eventuais resultados negativos resultem em aportes do Tesouro para o BCB.

À época, não se deu atenção especial para as operações cambiais do BCB devido ao reduzido volume das reservas internacionais. Segundo o BCB, em 2001 as reservas internacionais totalizavam USD 35,9 bilhões, enquanto a dívida externa sob responsabilidade do BCB era de USD 9,2 bilhões, resultando em uma posição credora líquida de USD 26,7 bilhões. Em 2007, as reservas internacionais aumentaram para USD 180,3 bilhões, enquanto o BCB praticamente quitou sua dívida externa, resultando em uma posição credora líquida de USD 180,2 bilhões. Devido ao aumento expressivo das reservas internacionais e queda da dívida externa, as operações cambiais se tornaram muito importantes no balanço da Autoridade Monetária.

Uma resposta à mudança de posição cambial do BCB – historicamente inédita, diga-se de passagem – foi a Lei 11.803/2008, a qual determina que, a partir de 2008, o BCB segregue o resultado financeiro das operações com reservas internacionais e das operações com derivativos cambiais realizadas pelo BCB no mercado interno (em geral, swaps registrados na B3), que, por sua vez, compõem o resultado semestral da Autoridade Monetária.

Segundo o BCB, entre 2008 e 2018 a soma dos resultados semestrais do BCB foi de R$ 324 bilhões, sendo apenas R$ 40 bilhões (12,4%) referentes às operações cambiais. Embora as operações cambiais tenham resultado líquido relativamente modesto, elas acarretaram fluxo de R$ 1.349,5 bilhões, sendo que houve perdas de R$ 654,2 bilhões em 14 semestres e ganhos de R$ 694,3 em 8 semestres. Devido ao papel intrinsecamente estabilizador das intervenções cambiais em regime de câmbio flexível, o resultado cambial, embora varie muito no curto-prazo, tende a ser modesto no longo-prazo. Se desconsiderarmos o resultado cambial, o resultado do BCB teria sido muito mais estável, sendo positivo em 20 semestres e negativo em apenas 2 semestres.

A fim de diminuir a volatilidade dos fluxos entre o BCB e o Tesouro Nacional, o Projeto de Lei 9.283/2017, de autoria do Senado Federal, visa a redesenhar a relação entre os órgãos no que tange aos resultados cambiais. O Projeto de Lei 9.283/2017 autoriza que parte dos resultados positivos seja direcionada para a constituição de reservas, a serem revertidas em períodos de resultados negativos, além de permitir, até um certo limite, que resultados negativos sejam cobertos com patrimônio líquido do próprio BCB. Caso venha a ocorrer, tal mudança traria uma sistemática de fluxos entre o BCB e o Tesouro Nacional mais estável, pois os resultados tenderiam a ser transferidos apenas quando estruturais. Para Daniel Steinberg, entretanto, tal mudança traria incerteza jurídica pela possibilidade de perda de intensidade no suposto aprimoramento institucional.

O argumento da incerteza jurídica não merece prosperar. Em primeiro lugar, porque o veículo da mudança é um projeto de lei que visa a alterar uma lei ordinária sem afetar obrigações constituídas antes da entrada em vigor da lei (art. 6º) – por exemplo, as obrigações constituídas no segundo semestre de 2018 seriam disciplinadas pela sistemática vigente, mesmo que o projeto de lei venha a ser aprovado antes da efetiva transferência de recursos. Ademais, os valores continuariam a ser contabilizados nas estatísticas fiscais divulgadas mensalmente, sem prejuízo à transparência. Por fim, não há um parâmetro internacionalmente aceito para a referida contabilização. Conforme ressaltado, a mudança proposta pelo projeto de lei se deve à peculiaridade da política cambial para uma situação de elevado volume de reservas internacionais, de gerar fluxos vultosos entre o Tesouro Nacional e o BCB para resultados líquidos relativamente modestos. Ou seja, a ideia é que ocorram transferências de recursos apenas em prazos mais longos, quando os resultados tendem a se consolidar. É natural que mudanças na conjuntura econômica acarretem mudanças nas normas.

Por outro lado, entre os avanços institucionais, Daniel Steinberg omite duas alterações que, embora respaldadas por economistas de mercado, ocorreram de maneira juridicamente questionável: a mudança na composição do Conselho Monetária Nacional (CMN) pela Lei do Plano Real e a introdução do regime de metas de inflação, em janeiro de 1999.

O CMN, o órgão de cúpula do Sistema Financeiro Nacional (SFN), foi criado pela Lei 4.595/64, sendo composto originalmente pelo Ministro da Fazenda (Presidente), Presidente do Banco do Brasil S.A., Presidente do BNDES, e por mais 6 ou 7 membros nomeados pelo Presidente da República (Lei 4.595/64, art. 6º). Devido ao art. 192 da Constituição, a Lei 4.595/64 foi recepcionada com status de lei complementar e, ao menos teoricamente, seu conteúdo poderia ser disciplinado por leis complementares, como a lei complementar 105/2001, que trata do sigilo nas operações realizadas no âmbito do SFN. O Plano Real foi instituído por medida provisória posteriormente convertida na Lei 9.069/95, que, em seu art. 8º, diminuiu e modificou a composição do CMN, que manteve a participação do Ministro da Fazenda, acompanhado por apenas dois outros membros: o Ministro do Planejamento e o presidente do BCB. Essa possibilidade de uma medida provisória alterar o disposto em lei recepcionada como complementar foi objeto do questionamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1312-2, que não foi julgada no mérito sob o pretexto que a Emenda Constitucional 41/03, ao mudar a redação ao caput do art. 192 da Constituição Federal – mantendo, entretanto, a reserva de lei complementar – tornou o questionamento prejudicado. Cabe mencionar que, devido à recente fusão dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento no Ministério da Economia, a composição do CMN foi recentemente alterada pela Medida Provisória 870/19, que substituiu o primeiro pelo Ministro da Economia e o último pelo Secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, subordinado ao Ministro da Economia.

Outra modificação vista por Daniel Steinberg como avanço foi a introdução do regime de metas de inflação, parte do tripé macroeconômico que também inclui o regime de câmbio flexível e metas fiscais, em substituição ao regime de câmbio administrado que vigorou entre julho de 1994 e janeiro de 1999. Sem adentrar o mérito sobre a mudança de regime macroeconômico, o mecanismo jurídico pelo qual ela se deu é juridicamente questionável e causa espécie que esteja incluído entre avanços. No início do Plano Real, a política cambial era disciplinada Lei 9.069/95, a qual determina lastro do Real em reservas (art. 3º), limites para a emissão monetária (art. 4º) e a possibilidade do Congresso Nacional não aprovar a programação monetária do BCB (art. 6º), aspectos centrais da política de câmbio administrado que vigorou nos primeiros meses do Plano Real.

No regime de câmbio flexível não há que se falar em lastro monetário em reservas porque a Autoridade Monetária não se compromete com um patamar pré-estabelecido de taxa de câmbio. Ocorre que o regime de metas de inflação, que substituiu o regime de câmbio administrado, foi introduzido pelo Decreto  3.088/99, de modo que, na prática, um Decreto revogou alguns dispositivos da Lei do Plano Real. Tal situação de insegurança jurídica é admitida tacitamente pelo Projeto de Lei 9248/2017, que visa a autorizar o BCB a captar depósitos voluntários de instituições financeiras e discretamente revoga os arts. 3º, 4º, 6º da Lei 9.069/95. Nenhuma atenção foi dada a isso no mencionado artigo.

Em outras palavras, parece que o conceito de certeza jurídica está intimamente relacionado às preferências políticas de quem o invoca. É de menor importância que leis complementares na prática sejam emendadas por medidas provisórias ou que alguns dispositivos de lei se tornem letra morta e posteriormente regulamentados por decreto desde que as mudanças em questão sejam referendadas pelo consenso de mercado.

Argumentos falaciosos sobre a crise fiscal e o lobby da PEC 241

No lobby pela aprovação da PEC 241 há um vale tudo argumentativo. O texto do “Economês em bom Português”[1] é exemplar dessas falácias: 1. A leitura induz o leitor a acreditar que a carga tributária sobe há duas décadas, o que não é verdade: o aumento da carga tributária se deu entre 1997 e 2005 (de 26,5% em 1996 para 33,6% do PIB em 2005) e após a crise de 2008 houve queda moderada da carga tributária, que no ano passado foi de 32,7% do PIB. 2. Entre dez/13 e ago/16, a dívida pública bruta teve aumento de R$ 1,28 trilhão, indo de 51,7% para 70,1% do PIB – uma trajetória claramente insustentável. Desse montante, R$ 203 bilhões, menos de 16%, decorre do acúmulo de déficits primários no período. Portanto, esse salto argumentativo dos déficits primários para a dívida pública é mentiroso; 3. Parte desse déficit primário de R$ 203 bilhões se deve à quitação de pedaladas fiscais ocorrida durante o segundo governo Dilma – em 2015, quase metade do déficit primário se deve à quitação de pedaladas de anos anteriores; 4. Aliás, até 2013 o setor público brasileiro produzia elevados superávits primários e, a partir de 2014, o déficit primário do setor público brasileiro não é muito diferente do que vem ocorrendo com outros países emergentes[2]. Com isso, não quero dizer que não exista um grave problema fiscal, mas apenas que a política fiscal e as pedaladas são quase nada para explicar o problema, que está muito mais relacionado à política cambial (acúmulo de reservas com elevado custo de carregamento e, em menor medida, prejuízos com swaps cambiais) e monetária. Uma discussão séria não se faz comparando as finanças públicas com economia doméstica, mesmo porque famílias não fazem política cambial e monetária.

Retificação em relação ao texto inicialmente postado: os limites da PEC dizem respeito à União e preservam as principais transferências a estados e municípios. A PEC afeta entes subnacionais pela revogação do art. 2o da EC 86/15, segundo qual a União contribuiria com recursos para custeio da saúde de estados e municípios, mas não implica congelamento de despesas reais dos entes subnacionais.

[1] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/por-que-economes-em-bom-portugues/2016/10/1820874-entenda-por-que-o-brasil-precisa-da-pec-do-teto.shtml

[2] http://www.imf.org/external/ns/cs.aspx?id=29

Razões pelas quais os instrumentos de política cambial devem ser utilizados para limitar a valorização do real

Desde março, o Banco Central do Brasil (BCB) tem realizado intervenções no mercado de câmbio, o que tem sido interpretado como uma ação deliberada para limitar a apreciação do real que tem ocorrido desde que o impeachment se tornou o cenário mais provável[1]. Embora muitos critiquem essas intervenções e vejam com bons olhos uma moeda valorizada, entendo que as intervenções são positivas, mas no médio prazo o arsenal do BCB irá se esgotar. Nos próximos parágrafos, explicarei porque defendo uma taxa de câmbio mais competitiva como objetivo desejável da política macroeconômica. Como se pode observar no Gráfico 1, em 2015 o real teve expressiva depreciação frente do dólar. Com isso, encerrou-se o período de câmbio sobrevalorizado iniciado em 2006, interrompido temporariamente no auge da crise financeira internacional de 2008. Como se pode observar no Gráfico 1, com exceção do auge da crise internacional, a taxa de câmbio efetiva esteve em nível similar ao da âncora cambial que vigorou entre 1994 e o início de 1999.

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Fonte: BCB

Nos dois períodos de câmbio sobrevalorizado houve aumento do endividamento externo privado e do déficit em transações correntes:

– Aumento do endividamento externo, principalmente privado: entre junho de 1994 e dezembro de 1998, a dívida externa aumentou 61%, de USD 150,3 bilhões para USD 241,6 bilhões no final de 1998; entre dezembro de 2006 e dezembro de 2014, a dívida externa aumentou 102%, de USD 172,6 bilhões para USD 348,5 bilhões;

– Deterioração das transações correntes: em junho de 1994, havia superávit em transações correntes de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto em dezembro de 1998 o déficit em transações correntes era de 3,9% do PIB, chegando a 4,7% do PIB em agosto de 1999; em dezembro de 2006, o superávit em transações correntes era de 1,2% do PIB, enquanto em dezembro de 2014 o déficit em transações correntes era de 4,3% do PIB, chegando a 4,5% do PIB em abril de 2015.

Tanto em 1999, quanto em 2015, as expressivas depreciações cambiais ocorridas após os períodos de sobrevalorização cambial geraram efeitos patrimoniais adversos para as empresas endividadas em dólares. Nos dois períodos de depreciação cambial, o Banco Central do Brasil (BCB) teve que aumentar a Selic para limitar os efeitos inflacionários da depreciação cambial. A alta da inflação e da Selic elevaram o custo da dívida pública indexada a índices de preços (NTNs) e Selic (LFTs). Adicionalmente, a alta do dólar aumentou as despesas com juros – em 1999 porque parte expressiva da dívida interna era corrida pela taxa de câmbio; em 2015 porque as perdas do BCB com swaps cambiais foram de 1,7% do PIB. Não é coincidência que os anos em que as despesas com juros atingiram valores recordes, como percentual do PIB, foram os anos de maxidesvalorizações cambiais (1999, 2002 e 2015), como se pode observar no Gráfico 2.

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Fonte: BCB, juros com valorização cambial (para 2016, valor acumulado nos 12 meses encerrados em fevereiro)

Conforme escrevi na semana passada, em 2016 os juros da dívida pública devem ser significativamente menores que os de 2015 em decorrência do vencimento de swaps cambiais mais antigos, queda da inflação e provável queda da Selic[2], reproduzindo o ocorrido entre 1999 e 2000. A depreciação cambial também está surtindo efeitos sobre o déficit em transações correntes, que está se reduzindo mês a mês: nesta semana, o Banco Central do Brasil (BCB) divulgou a Nota do Setor Externo[3] com dados referentes a março. No mês passado, o déficit em transações correntes foi de USD 855 milhões, ficando abaixo de USD 1 bilhão pela primeira vez desde 2009. Com isso, o déficit acumulado nos 12 últimos meses foi de USD 41,4 bilhões ou 2,4% do PIB. Como se pode observar no Gráfico 3, a velocidade do processo de redução no déficit em transações correntes é excepcionalmente intensa, resultado da combinação de expressiva depreciação cambial e profunda recessão. É provável que em 2016 o déficit em transações correntes seja o menor desde 2008.

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Fonte: BCB

Para que a economia brasileira se recupere, é imprescindível que a tendência de melhora nas transações correntes continue, o que depende de taxa de câmbio competitiva. Após a apreciação de cerca de 10% do real frente ao dólar ocorrida em março, a taxa de câmbio efetiva ainda é competitiva, devendo ficar próxima aos valores do início de 1994 e 1999/2000. Entretanto, caso o real tenha apreciação adicional, voltaremos a ter moeda sobrevalorizada, o que comprometeria o equilíbrio externo.

No curto-prazo, o BCB pode contrabalançar essa tendência com a redução do estoque de swaps cambiais e aumento das reservas. Isso explica porque, desde março, o BCB não tem renovado parte dos swaps cambiais, ofertou swaps reversos e aumentou o volume de reservas. Entretanto, essa estratégia é insustentável no longo-prazo, pois em algum momento o estoque de swaps será eliminado e o elevado custo de carregamento das reservas é um limitador estrutural para o aumento das reservas internacionais, que já se encontram em volume superior ao ótimo.

Neste sentido, assim que as expectativas melhorarem e a demanda começar a se recuperar, a tendência é que o real volte a se apreciar, reproduzindo a sobrevalorização cambial que é a causa central da desindustrialização e da crise econômica atual. Por essa razão, é urgente que sejam implementadas reformas nas políticas monetária e cambial que impeçam a sobrevalorização cambial, como a proposta de que o BCB venha a captar depósitos remunerados junto às instituições financeiras[4], aprimorando os instrumentos de controle de liquidez da economia. Ainda assim, em um segundo momento, além de uma revisão da estrutura de governança cambial, deve ser estudada a possibilidade de controle à entrada de capitais, com alíquotas não nulas do Imposto sobre Transações Financeiras (IOF) para capital de curto-prazo e do imposto de exportação para mercadorias agrícolas quando os preços internacionais estiverem excepcionalmente elevados, a exemplo do que a Argentina adota para as exportações de soja. Os ciclos de sobrevalorização cambial seguidos de depreciação abrupta, além de comprometer a indústria, setor indutor de aumentos da produtividade na economia brasileira, em um segundo momento comprometem a solvência do setor público brasileiro pelo aumento da carga de juros.

[1]http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/03/22/internas_economia,523384/banco-central-sinaliza-criacao-de-banda-cambial.shtml e http://www.insper.edu.br/noticias/dolar-a-r-368-com-acao-do-bc/

[2] https://bianchiniblog.wordpress.com/2016/04/12/nos-primeiros-meses-do-ano-ha-sinais-de-que-o-deficit-publico-sera-menor-que-em-2015-mas-ainda-assim-em-patamar-insustentavel/

[3] http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPEXT

[4]http://www.fazenda.gov.br/noticias/2016/marco/nelson-barbosa-encaminha-proposta-de-reforma-fiscal

Duas propostas para a redução da carga de juros da dívida pública

Tenho argumentado que a carga de juros da dívida pública brasileira é alta não apenas em decorrência da taxa Selic elevada, mas também da política cambial, da deterioração de expectativas para a economia brasileira[1] e do elevado percentual da dívida pública vincenda no curto-prazo[2]. Provavelmente nenhum economista discorde da importância de se reduzir a carga de juros da dívida pública, embora existam diversas interpretações sobre a melhor maneira para se fazer isso. É extremamente improvável que isso seria alcançada com voluntarismos como uma redução forçada da taxa Selic, que perdeu importância relativa como indexador da dívida pública, ou auditoria da dívida pública nos moldes propostos pela Auditoria Cidadã. E o que entendo ser uma estratégia adequada para reduzir a carga de juros da dívida pública? Não renovação dos swaps cambiais atrelada à venda de parte das reservas internacionais.

Antes de desenvolver meus argumentos, é necessário dizer que aquilo que defendo é uma opinião pessoal e não necessariamente reflete a postura institucional do Banco Central do Brasil (BCB). Em momento algum usei ou usarei informações de fontes internas para respaldar meus argumentos. Todos os dados aqui apresentados são públicos e podem ser obtidos no site do BCB.

Proposta 1: não renovar os swaps cambiais

Conforme já escrevi neste Blog, boa parte da alta na carga de juros da dívida pública em 2015 se deve às perdas com swaps cambias. Como se pode observar no Gráfico 1, mais da metade do aumento da carga de juros da dívida pública de 2015 comparativamente a 2014 se deve a isso. Logo, o estancamento das perdas com swaps cambiais geraria considerável redução da carga de juros, para algo em torno de 7% do PIB – ainda acima do padrão dos últimos anos.

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Fonte: BCB

Como a maioria dos contratos de swap cambial vence em seis meses e o real teve depreciação expressiva em agosto e setembro de 2015 (Gráfico 2), é de se esperar que no primeiro trimestre de 2016 as perdas com swaps cambiais continuem elevadas e comecem a cair a partir de abril, quando os contratos renovados a partir de setembro começam a vencer.

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Fonte: BCB

Entretanto, isso causaria algum estresse no mercado de câmbio, o que poderia resultar em nova rodada de depreciação cambial, algo in desejável porque o atual patamar da taxa de câmbio já torna o Brasil competitivo e um dólar mais alto aumentaria o desequilíbrio patrimonial das empresas endividadas em dólares e impediria queda na inflação, que ainda se encontra em dois dígitos. Por essa razão, entendo que a não renovação dos swaps cambiais deveria ser vinculada à venda de parte das reservas internacionais.

 

Proposta 2: Vender de parte das reservas internacionais

O BCB deveria conjugar a não renovação dos swaps com a venda de parte das reservas internacionais, que atualmente somam mais de USD 370 bilhões[3]. Se todo o estoque de swaps cambiais – aproximadamente USD 110 bilhões em valor nocional – fosse substituído pela venda de dólares das reservas, isso resultaria em USD 260 bilhões de reservas, patamar ainda bastante confortável.

Não se pode ignorar que a redução das reservas poderia ser interpretada como sinal de fragilidade, deteriorando ainda mais a percepção de risco quanto à combalida economia brasileira. Por isso, ela deveria ser parte de uma estratégia – articulada entre as áreas de câmbio e política monetária do BCB e o Tesouro Nacional – de redução da dívida pública vincenda no curto-prazo e diminuição do peso da Selic nas operações compromissadas. Antes de tratar da redução da dívida pública, é necessário fazer um parêntesis sobre os diferentes conceitos de dívida pública que uso no Gráfico 3:

– Dívida Bruta do Setor Público (DBSP) (linha verde) = Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) + Títulos emitidos pelo BCB para fins de política monetária. Em decorrência de vedação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o BCB não pode emitir títulos próprios e, por essa razão, desde 2006 não existem títulos emitidos pelo BCB. A partir de então, a DBSP corresponde exatamente à DBGG. A criação do conceito de DBSP é para que se possa comparar os valores da dívida pública bruta antes de 2006;

– DBSP + Títulos do Tesouro na carteira do BCB (linha vermelha) = Como a LRF veda a emissão títulos próprios do BCB, o BCB utiliza títulos do Tesouro Nacional para realizar a política monetária. Para não ter que solicitar títulos para o Tesouro Nacional periodicamente, o BCB costuma ter sobra de títulos do Tesouro Nacional em carteira. A diferença entre as linhas vermelha e verde são esses títulos que estão na carteira do BCB, mas não são utilizados. Representam uma dívida do Tesouro com o BCB, mas como, em decorrência da LRF o BCB aporta seus resultados no Tesouro Nacional, o impacto líquido sobre o setor público é nulo. Essa vedação à emissão de títulos próprios por parte do banco central é uma especificidade brasileira e, por essa razão, algumas publicações internacionais usam esse conceito de dívida pública. Apenas recentemente o Fundo Monetária Internacional (FMI) reconheceu que esse conceito não se aplica ao Brasil;

– Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) = DBGG – haveres do setor público, como recursos em caixa e os aportes do Tesouro Nacional no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Embora as reservas internacionais sejam haveres do Estado brasileiro, elas não são deduzidas diretamente para o cálculo da DLSP. O reflexo do acúmulo de reservas, atualmente me quase 20% do PIB, combinado com a depreciação cambial é o acúmulo de recursos na conta única do Tesouro Nacional: no final do ano passado, os recursos decorrentes do relacionamento entre Tesouro Nacional e BCB chegaram a R$ 882 bilhões, quase 15% do PIB;

Internacionalmente, é mais usual que a dívida bruta seja utilizada como indicador de endividamento público. No caso do Brasil, até há alguns anos, a maioria dos analistas utilizada a DLSP. Entretanto, em decorrência de pedaladas fiscais e manobras contábeis utilizadas a partir do final de 2012, diversos analistas passaram a observar o comportamento da dívida bruta. Como entre o segundo semestre de 2014 e dezembro de 2015 essas distorções foram corrigidas, entendo que a DLSP e a DBGG devem ser analisadas em conjunto.

Como se pode observar no Gráfico 3, no final do ano passado a DBGG era de 66% do PIB e a DLSP 36% do PIB. Grosso modo, essa diferença se deve ao acúmulo de reservas, que em dezembro do ano passado representavam mais de 20% do PIB, e aos aportes do Tesouro no BNDES, que em dezembro de 2015 representavam quase 9% do PIB. O grande problema é que a DBGG paga taxas de juros bem mais altas que o rendimento das reservas ou a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela qual os aportes do Tesouro são remunerados pelo BNDES. Por isso que, mesmo com o fim das pedaladas e manobras contáveis, a DBGG deve ser analisada em conjunto com a DLSP.

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Fonte: BCB

Como um dos reflexos da entrada de capitais e do acúmulo de reservas nos últimos anos foi o aumento das operações compromissadas realizadas pelo BCB para “enxugar” o impacto expansionista da base monetária da entrada de capitais (Gráfico 4), é possível que a venda das reservas contribua para reduzir o estoque, alongar o prazo e diminuir o peso da Selic nas operações compromissadas, aumentando a potência da política monetária, algo que Nakano vem defendendo há anos[4].

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Fonte: BCB

Conclusão

Se o BCB não renovar os swaps cambiais vincendos, o prejuízo com esses derivativos cambiais irá se reduzir progressivamente a partir do segundo trimestre. Para impedir que isso gere turbulência no mercado de câmbio, a não renovação de swaps deveria ser compensada com a venda de parte das reservas vinculadas exclusivamente à redução da dívida pública bruta e melhoria do perfil (alongamento de prazos e diminuição da importância da Selic como indexador) das operações compromissadas, o que aumentaria a potência da política monetária. A eliminação da perda com swaps combinada com a redução da dívida bruta gerariam diminuição da carga de juros da dívida pública dos atuais 8,5% do PIB para algo em torno de 6% do PIB. Trata-se de patamar estrutural que, para ser reduzido, depende de reformas na estrutura de despesas primárias, especialmente na previdência. Os próximos artigos do Blog serão sobre esse assunto.

[1]https://bianchiniblog.wordpress.com/2016/01/03/sobre-o-aumento-nos-juros-da-divida-publica-em-2015/

[2]https://bianchiniblog.wordpress.com/2016/01/21/por-que-a-auditoria-cidada-nao-e-levada-a-serio-ii-o-grafico-em-formato-de-pizza/

[3] http://www.bcb.gov.br/?RP20160219

[4] http://www.valor.com.br/opiniao/4437522/luz-no-fim-do-tunel