Afinal, o teto de despesas reduziu os recursos da educação e saúde?

A emenda constitucional 95/2016 introduziu o novo regime fiscal, que limitou as despesas primárias da União ao valor real de 2016 e modificou os valores mínimos a serem aplicados em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) e ações e serviços públicos de saúde (ASPS) por 20 anos. Após meia década de sua aprovação, quais os resultados efetivamente observados?

  1. Despesas primárias reais da União

Com exceção do ano de 2020, quando a EC 106/2020 instituiu o regime extraordinário fiscal, permitindo a realização de despesas para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia da Covid-19, as despesas primárias reais da União têm se mantido no mesmo patamar desde 2015: em 2021, a despesa real foi 4,6% maior que a de 2014. A maior parte desse aumento real se deu em 2019, quando uma interpretação criativa da equipe econômica sancionada pelos órgãos de controle permitiu que uma receita extraordinária de concessões de mais de R$ 80 bilhões obtida em dezembro fosse gasta ainda naquele ano (vide item IV), resultando em despesa real 3,7% maior que a de 2016. Como o teto de despesas é calculado a partir do ano anterior, o aumento real de 2019 elevou o teto de despesas de 2021 em diante (Gráfico 1).

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

Portanto, a estabilização da despesa primária real da União teve início 2 anos antes do teto de despesas, sendo que este não impediu aumento da despesa primária real da União a partir de 2019.

  1. Despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE)

Além do teto real de despesas, a EC 96/2016 também modifica, durante sua vigência, o montante mínimo que a União deve gastar com MDE: em vez de 18% da receita líquida de impostos do ano corrente, o valor real correspondente a 18% da receita líquida de impostos de 2016. Como no longo prazo a receita real de impostos tende a crescer, aumentando com isso os recursos mínimos a serem aplicados em MDE, a mudança visou a impedir que a vinculação de despesas com educação inviabilizasse o cumprimento do teto de despesas.

Como consequência do elevado patamar inicial de despesas com MDE e do teto de despesas, as despesas com MDE caíram anualmente como proporção da receita líquida de impostos, com exceção de 2020. Entretanto, somente em 2021 as despesas com MDE foram menores que os 18% da receita líquida de impostos preconizados pelo art. 212 da Constituição Federal (Gráfico 2). Ainda assim, em montante inferior a R$ 0,5 bilhão.

Fonte: STN – Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO)

Em outras palavras, embora as despesas reais com educação da União estejam em queda desde 2017, foi somente no ano passado que ficaram abaixo do mínimo estipulado pelo art. 212 da Constituição – por pequena margem. Essa distância tende a se aprofundar nos próximos anos.

  1. Despesas com ações e serviços públicos de saúde (ASPS)

No caso das ASPS, a sistemática de aplicação de recursos era um pouco mais complexa, pois a EC 86/2015 havia estabelecido um cronograma gradual de implementação dos gastos mínimos com ASPS, de 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) em 2016 para 15% da RCL a partir de 2020. O novo regime fiscal determinou que a aplicação mínima em ASPS fosse equivalente ao valor real de 15% da RCL de 2017.

Já as despesas com ASPS foram inferiores ao valor mínimo estipulado pela sistemática anterior apenas em 2019, quando foram gastos 13,4% da RCL em vez dos 14,5% estimulados na EC 86/2015, diferença que corresponde a R$ 10,2 bilhões (valor não atualizado). Em parte, devido à queda de receitas causada pela recessão de 2020, em parte devido ao esperado aumento de despesas com saúde em uma pandemia, as despesas com ASPS foram superiores a 15% da RCL em 2020 e 2021 (Gráfico 3).

Fonte: STN – RREO

Em suma, não fosse a pandemia, o teto de despesas teria reduzido os gastos com saúde da União para valores inferiores aos mínimos estipulados pela EC 86/2015. Por essa razão, espera-se que, com o fim da pandemia, as despesas com saúde caiam abaixo do estipulado pelo art. 198 da Constituição Federal.

  1. Despesas discricionárias e sujeitas a controle de fluxo

Como a maior parte das despesas da União é obrigatória, irredutível por determinação constitucional e/ou tende a crescer vegetativamente com o envelhecimento da população, uma consequência da manutenção do patamar real das despesas primárias da União desde 2015 (vide item I) tem sido a incidência de ajuste em despesas obrigatórias sujeitas a controle de fluxo ou discricionárias, como investimentos, desde aquele ano. Como expliquei neste Blog, em 2019 isso foi um elemento fundamental dos cortes em recursos destinados às universidades federais que motivaram diversas manifestações contra o governo.

A trajetória de queda das despesas discricionárias como proporção das despesas totais foi interrompida com o aumento de despesas possibilitado pelas receitas extraordinárias de dezembro de 2019 (vide item I). O regime extraordinário fiscal, que possibilitou expansão fiscal sem precedentes, distorceu essa comparação porque a maior parte das despesas criadas foi obrigatória, como o auxílio emergencial. Em 2021, as despesas obrigatórias com controles de fluxo e as discricionárias foram 16,7% das despesas primárias da União, menor valor da série histórica, considerando que os números de 2020 foram atípicos (Gráfico 4).

Fonte: STN

Como as despesas sujeitas a controle de fluxo estão em patamares mínimos, o cumprimento do teto de despesas depende de cortes adicionais nos investimentos, adiamento de despesas para os próximos exercícios e interpretações criativas da EC 95/2016. Como neste ano o presidente é pré candidato à reeleição, é muito provável que ocorra algo similar ao que ocorreu em dezembro de 2019 para acomodar aumento de despesas típico de ano eleitoral. Infelizmente, acredito que o posicionamento dos órgãos de controle dependerá mais da popularidade do presidente que do texto constitucional.

Conclusões

i. A estabilização das despesas reais da União precede em dois anos a vigência do teto de despesas;

ii. Desde 2015, o ano de maior aumento real de despesas foi 2019, a despeito da vigência do novo regime fiscal;

 iii. Como o teto de despesas é calculado com base nas despesas dos anos anteriores, a interpretação criativa de 2019 perenizou o aumento do teto de despesas;

iv. Embora o teto de despesas tenha modificado os gastos mínimos com educação e saúde, essas despesas só ficaram abaixo do mínimo anteriormente estipulado em 2021 para educação e 2019 para saúde. Como eu havia previsto neste Blog quando o novo regime fiscal era uma proposta de emenda à constituição, as despesas com educação e saúde seriam inferiores aos mínimos vigentes anteriormente a partir do início desta década;

v. Como há poucas despesas passíveis de compressão, o teto de despesas só será cumprido com cortes adicionais de investimentos, adiamento de despesas para os próximos anos ou interpretações criativas do texto constitucional, algo que eu também havia previsto em 2016 ao concluir que o teto de despesas traria “maior ineficiência na administração orçamentária”.

Quem me acompanha neste Blog ou nas redes sociais sabe que defendo a necessidade de ajuste fiscal estrutural nas contas públicas brasileiras, em especial no que diz respeito às despesas previdenciárias, dado que servidores civis de entes subnacionais e militares não foram atingidos pela reforma de 2019. Embora eu reconheça que o teto de despesas foi importante para estabilizar expectativas após o impeachment, os números divulgados pelo Tesouro Nacional demonstram que o teto de despesas não foi necessário para que um importante ajuste fiscal nas despesas fosse iniciado em 2015. Além disso, a partir 2022 ele tende a criar diversas ineficiências na gestão fiscal. O próximo presidente, que desejo não ser o atual, deverá apresentar propostas de reformas fiscais que equilibrem a necessária revogação do teto de despesas com a necessidade de ancorar expectativas fiscais e estabilizar a relação dívida pública/PIB. Em breve, espero escrever neste Blog para comentar como uma medida provisória que promova acerto de contas entre o Banco Central do Brasil e o Tesouro Nacional pode simultaneamente diminuir a dívida pública e reforçar a autonomia da Autoridade Monetária concedida por meio da Lei Complementar 179/2021.

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O trade-off entre inflação e desemprego de 2021

Ao atualizar os dados de uma aula de macroeconomia sobre o trade-off entre inflação e desemprego, deparei-me com os seguintes indicadores:

Em set/20, a taxa de desocupação foi de 14,6% e a de subutilização da força de trabalho, que inclui, além dos desempregados, trabalhadores que gostariam de trabalhar mais horas ou desistiram de procurar emprego devido ao alto desemprego, de 30,3%, patamares recordes da série histórica (Gráfico 1).

Fonte: IBGE

Em nov/20, o IPCA acumulado em 12 meses foi de 4,31%, entre o centro (4%) e o teto (5,5%) da meta de inflação deste ano. Para 2021, a expectativa mediana é que o IPCA seja de 3,34%, entre o centro (3,75%) e o piso (2,5%) da meta de inflação (Gráfico 2).

Fonte: IBGE e BCB

Na mesma base de comparação, o IGP-DI foi de 24,27%. O componente do consumo do IGP-DI, que representa 30% do índice, foi de 4,85%, patamar similar ao do IPCA, como na maior parte do tempo (Gráfico 3).

Fonte: IBGE e FGV

A expressiva alta no IGP-DI se deve principalmente pelos preços no atacado, que representam 60% do índice e aumentaram 33,90% entre dez/19 e nov/20. Trata-se do segundo maior valor do Plano Real, só superado pela alta nos preços do atacado acarretadas pela maxidesvalorização cambial de 2002 (Gráfico 4).

Fonte: FGV

Nos últimos 12 meses, a Selic acumulada foi de 2,97%, resultando em uma taxa Selic real de -1,3%, a menor do Plano Real (Gráfico 5).

Fonte: IBGE e BCB

Devido ao aumento esperado da taxa de inflação, o mercado espera que, ao longo de 2021, a meta para a taxa Selic aumente de 2% para 3% a.a, sendo de 2,31% no acumulado do ano, significativamente abaixo da inflação ao consumidor esperada. Assim como a taxa Selic real efetivamente observada, em 2021 se espera manutenção de taxas de juros reais, o que é inédito no regime de metas de inflação (Gráfico 6).

Fonte: BCB

Conclusão: apesar de uma política monetária excepcionalmente expansiva praticada em 2020, quase 1/3 dos brasileiros adultos precisa de trabalho, apontando para a necessidade de continuidade de estímulos monetários (e fiscais), ainda mais tendo em vista que a segunda onda da Covid-19 pode adiar e diminuir o já lento ritmo de retomada da economia. Embora as expectativas de inflação futura ainda apontem para o cumprimento da meta de inflação, o grande aumento de preços no atacado representa risco significativo para o cenário de inflação de 2021. Caso as empresas repassem a alta de custos para os consumidores, o Banco Central pode se ver forçado a aumentar a Selic para além do patamar esperado de 3% a.a. para cumprir a meta de inflação, cujo teto é de 5%. Em uma situação na qual os níveis de desemprego e o subemprego já estão excepcionalmente elevados, não há dúvida que se trata de uma escolha difícil.

Devido ao teor deste texto, reitero que, embora seja servidor do Banco Central do Brasil há mais de 12 anos, as opiniões expressas aqui são pessoais e não refletem posição institucional.

A inflação atual brasileira é um problema? Depende.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses está em 2,44%, levemente abaixo do piso da meta de inflação de 2020 (Gráfico 1). Além disso, a expectativa do mercado é que o IPCA fique próximo da meta – que vem caindo anualmente – até 2023. Sob essa perspectiva, a inflação não é um problema relevante no presente e no futuro próximo.

Fonte: IBGE e BCB

No Brasil, a crise econômica e as medidas de distanciamento acarretada pela Covid-19 tiveram início em março de 2020. Os impactos econômicos da Covid-19 são complexos porque ocorrem simultaneamente a diminuição da oferta, resultado direto do menor nível de produção em diversos setores, e da demanda, resultado do desemprego – aberto ou oculto – em massa.

De março a agosto de 2020, o IPCA acumulado foi de 0,24% (Gráfico 2), patamar muito baixo que, ao menos em parte, resulta da profunda recessão que estamos vivendo, evidenciando o predomínio do choque de demanda na dinâmica da inflação aos consumidores dos últimos meses. Esse índice parece corroborar a afirmação anterior de que a inflação não é um problema relevante no presente. Infelizmente, a realidade é mais complexa.

A evolução dos componentes do IPCA, embora intuitiva, é muito desigual: a elevada deflação em transportes, educação (concentrada em agosto) e vestuário contrasta com a elevada inflação dos alimentos e comunicações (Gráfico 2). Esse movimento tem ocorrido em outros países e reflete as medidas de distanciamento social. Como alimentos tendem a representar maior parcela do orçamento das famílias de menor renda, essa inflação é regressiva. Embora o auxílio emergencial compense a maior inflação para as pessoas mais pobres, há o risco de piora dos hábitos alimentares na base da pirâmide, com troca de produtos in natura por alimentos processados, cujo resultado inevitável é a piora de doenças como obesidade, hipertensão e diabetes, que figuram há anos entre as causas mais relevantes de mortes entre brasileiros. Portanto, além de regressivo, o aumento no preço dos alimentos pode afetar negativamente indicadores de saúde da população mais pobre.

Fonte: IBGE

Outro aspecto que merece atenção é a evolução dos preços do atacado desde maio. Nesta semana, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou que o Índice de Preços ao produtor Amplo (IPA) aumentou 5,44% em agosto, resultando em aumento acumulado de 21,6% nos últimos 12 meses, patamar que não ocorria desde o terceiro trimestre de 2003 (Gráfico 3). Até o momento, os empresários têm acomodado a alta de custos com redução de margens de lucros. Há o risco de que, caso ocorra retomada da atividade econômica, essa alta de custos seja repassada aos consumidores, forçando o Banco Central a elevar a taxa Selic, o que, por sua vez, prejudicaria a (insuficiente) recuperação econômica prevista para 2021.

Fonte: FGV

Conclusão

O IPCA acumulado nos últimos meses e as expectativas até 2023 indicam que, atualmente, a inflação não seria um problema no Brasil. Por outro lado, a decomposição do IPCA evidencia que a inflação tem sido mais alta para os mais pobres. Embora o aspecto regressivo possa ser compensado pelo auxílio emergencial (supondo que o auxílio persista por tanto ou mais tempo que a alta inflação dos alimentos), a possibilidade de piora de padrão alimentar resultará em problemas de saúde pública. Outro aspecto relevante é saber como, quando e com que intensidade os empresários irão repassar a alta nos custos dos últimos meses. Em suma, a inflação brasileira não tem sido um problema para as pessoas de maior renda, mas pode ter repercussões graves nas famílias mais pobres, nas empresas e na inflação ao consumidor dos próximos meses.

Sobre o financiamento do Tesouro Nacional pelo Banco Central

Como muita gente tem comentado sobre a possibilidade que o Banco Central financie o Tesouro Nacional, deixo alguns comentários, que pretendo desenvolver um pouco mais assim que terminar de ministrar um curso de macroeconomia na GVLaw:

  1. O art. 164 da Constituição Federal veda que o Banco Central do Brasil (BCB) financie o Tesouro Nacional (TN) direta ou indiretamente, de modo que o financiamento do TN pelo BCB depende de Emenda Constitucional;
  2. Bancos centrais emitem moeda e são depositários das contas dos governos centrais (no caso do Brasil, por determinação constitucional) e, em alguns casos, regionais. Em muitos países, também são “propriedade” do Estado, seja integralmente (p. ex. Brasil, por determinação da Lei 4.595/64), seja por meio de participação acionária com poder de controle (p. ex. Japão). Mesmo bancos centrais privados (p. ex. Suíça) funcionam como uma espécie de concessão estatal. Ou seja, independentemente de ser públicos ou privados, exercem uma competência que está indissociavelmente relacionada ao Estado;
  3. Embora a União, como na maioria dos Estados soberanos, tenha competência constitucional para tributar e emitir moeda, a cisão dessas competências é importante e funcional na maioria do tempo. A política econômica tem múltiplos objetivos e é uma boa prática atribuir diferentes objetivos a diferentes instituições com instrumentos diferentes, até mesmo como forma de facilitar a prestação de contas por parte de dirigentes de instituições, algo fundamental em democracias;
  4. Como BCs exercem competência estatal, há evidente conflito de interesses no financiamento do Estado pelos bancos centrais. Em tempos excepcionais, como a atual crise econômica, é a vedação desse financiamento que pode ser disfuncional: no curto prazo, o único problema inflacionário que temos é inflação projetada abaixo do piso da meta devido à iminente depressão econômica. O Tesouro Nacional ainda se financia a taxas nominais baixas, mas que são muito altas em termos reais. Aceitar que o BCB financie o TN com juros baixos ou sem juros não necessariamente implica render-se à MMT, mas sim aceitar a realidade;
  5. Sei que seu professor de introdução à economia, youtubers e memes dos inflacionistas falaram que o governo imprime dinheiro e isso gera inflação. Além da relação ser mediata, a ideia da impressora é equivocada. Estados não fazem expansão monetária imprimindo meio circulante. Por essa razão, uma eventual privatização da Casa da Moeda não privatizaria a política monetária e a “moeda eletrônica” lançada pelo BC chinês não é tão disruptiva como parece, está muito mais ligada a questões concorrenciais do mercado local de moedas eletrônicas. Do mesmo modo, o fato de criptoativos serem eletrônicos não tem nada demais. Pense um pouco quanto da sua renda tem existência meramente eletrônica e quanto da sua renda você converte para meio circulante.

Sobre o estudo do Banco Mundial que embasa a proposta de reforma administrativa do governo

Estudo do Banco Mundial constatou que o Brasil, apesar de ter número de servidores públicos “modesto”, tem gasto de pessoal “alto” porque a remuneração das carreiras públicas tende a ser maior que as carreiras privadas. Além da questão previdenciária, o estudo aponta a necessidade de rever: a) alto salário de entrada, b) a progressão muito rápida e c) o número excessivo de carreiras. Como servidor público de uma carreira relativamente privilegiada, concordo com essas conclusões: além de ser a favor da reforma da previdência que vai adiar minha aposentadoria em pelo menos 5 anos e reduzir meu salário líquido em quase 5%, reconheço que subimos rápido demais na carreira: com 37 anos, já tive todas as promoções e terei direito a apenas uma progressão, ou seja, passarei a maior parte da minha vida no topo da carreira. Economistas liberais e o governo têm usado o estudo de maneira bastante desonesta, dando a entender que o aumento na despesa com funcionalismo tem sido contínuo nos últimos anos:

  1. Como já publiquei no meu Blog, no governo Lula, a despesa com funcionalismo da União (ativos, inativos e pensionistas, civis e militares) caiu de 4,8% para 4,3% do PIB. A escolha do ano de 2008 para o início das séries não é aleatória: aquele foi o ano em que a despesa com funcionalismo atingiu o menor valor de todo o governo Lula;
  2. O governo Dilma (jan/11 a mar/16) foi rígido com funcionalismo e os dissídios da maioria das carreiras ficaram abaixo da inflação. Como a despesa com funcionalismo também depende da evolução funcional, de aposentadorias e de abertura de concursos, em todo seu governo, a despesa real com funcionalismo aumentou menos de 2%, diminuindo a despesa de pessoal para 4% do PIB;
  3. Economistas liberais e os que hoje estão no governo foram entusiastas defensores do impeachment insistem em ignorar os custos de oportunidade dessa escolha política: além da paralisia legislativa que contribuiu para agravar a crise econômica, a campanha de Temer à presidência teve de angariar apoio entre diversos grupos, como o funcionalismo federal. Em menos de 3 anos de governo Temer, diversas categorias foram agraciadas com reajustes muito acima da inflação e, mesmo quase sem realizar concursos, a despesa de pessoal aumentou 8% em seu governo, sem contar reajustes que passaram a valer neste ano;
  4. A reforma administrativa proposta pelo governo é para Executivo e o próprio estudo do Banco Mundial admite que: “A decomposição dos gastos federais com pessoal mostra que, apesar de os gastos totais serem estáveis, as despesas com pessoal do Poder Judiciário tiveram um crescimento expressivo”. Aliás, mesmo com o aumento do teto constitucional, as despesas com auxílio moradia continuam altas;
  5. Leio na imprensa que o governo estuda efetivar servidor depois dele ser trainee por dois anos. Alguém pode contar para o Ministro da Economia que o estágio probatório já existe e desde o governo FHC dura três anos.

Vocês querem reforma administrativa? Eu também quero, mesmo que individualmente ela me prejudique. Só que sou bem cético quanto a isso pelas seguintes razões: a) Economistas liberais, entusiastas do impeachment, precisam fazer autocrítica e admitir que tiraram um governo que estava fazendo ajuste fiscal e colocaram um governo que cumpriu promessa de conceder aumentos expressivos para funcionalismo; b) Sucessivas entrevistas do Ministro da Economia deixam claro que ele não conhece orçamento, administração pública e Direito Administrativo. Não tem como sair boa coisa com embasamento técnico tão ruim; c) Será que o governo eleito por causa da Lava Jato terá coragem de enfrentar os privilégios do Poder Judiciário em sentido amplo? Duvido. Polícia Federal e Militares, dois setores da burocracia muito próximos do presidente, passarão praticamente incólumes da reforma da previdência.

http://documents.worldbank.org/curated/en/449951570645821631/pdf/Gest%C3%A3o-de-Pessoas-e-Folha-de-Pagamentos-no-Setor-P%C3%BAblico-Brasileiro-o-Que-Os-Dados-Dizem.pdf

 

Recolhimentos compulsórios e direcionamento de crédito

A decisão do Banco Central do Brasil (BCB) de reduzir, a partir de 15.07.2019, a alíquota dos recolhimentos compulsórios dos depósitos a prazo de 33% para 31% foi seguida de declaração de Paulo Guedes sobre reduções adicionais dos compulsórios e posterior nota de esclarecimento da Autoridade Monetária:

O efeito financeiro dos R$16,1 bilhões de redução decorrentes da regulamentação dos depósitos compulsórios à (sic) prazo, divulgada ontem, ocorrerá em 15/7/19. A redução estrutural dos compulsórios é uma das ações da Agenda BC#, parte do pilar de eficiência de mercado. O aprimoramento dos atuais instrumentos de assistência financeira de liquidez, também previsto na Agenda BC#, nos permitirá trabalhar com um nível de compulsório mais baixo no futuro. A ação ainda está em curso, sem definições de prazos ou montantes. O BC não antecipa decisões ou regulações.

A determinação de que parte dos depósitos captados pelas instituições financeiras fique retido nos bancos centrais em tese permite que se regule a capacidade de concessão de crédito pelas instituições captadoras de depósitos. Em um mundo de finanças reguladas, tratava-se de um importante instrumento de regulação sistêmica e de política monetária por regular simultaneamente a exposição ao risco de crédito das instituições financeiras e a liquidez da economia.

Entretanto, inovações financeiras surgidas desde o final do Século XX criaram novas fontes de captação para as instituições financeiras e tornaram os instrumentos creditícios mais complexos. A diversificação das fontes de captação cria passivos sem recolhimentos compulsórios, enquanto os novos produtos de crédito fazem com que a administração de risco de instituições financeiras seja mais complexa. Essa mudança na atividade de intermediação financeira está subjacente aos acordos de Basileia, que estabelecem requerimentos de capital ponderados pela exposição a riscos das instituições financeiras. Por essa razão, os recolhimentos compulsórios têm perdido importância, sendo muito baixos em diversas jurisdições, como Estados Unidos, Zona do Euro e Japão, e inexistentes em outras, como Reino Unido e México. Atualmente, praticamente só os países que ainda não adotaram Basileia III ou que enfrentam boom de crédito, o que não é o caso do Brasil, adotam alíquotas expressivas de recolhimentos compulsórios.

Em que pese as reduções desde o final de 2017, as alíquotas vigentes ainda são altas para o padrão mundial, tanto que o BCB tem a intenção de reduzi-las ainda mais. Mas o BCB tem receio de reduzir para os padrões internacionais porque atualmente não dispõe de instrumentos suficientes para atuar em uma crise bancária nos maiores bancos. Em uma crise bancária, a primeira linha de atuação é a solução privada dada pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que além de garantir depósitos de até
R$ 250.000, pode socorrer instituições financeiras em dificuldades. Entretanto, o patrimônio líquido do FGC, de R$ 75,7 bilhões, pode não ser suficiente para crise em instituições de grande porte ou quebra simultânea de diversas instituições financeiras. As operações de redesconto e empréstimo realizadas pelo BCB devem ser inferiores a 360 dias devido ao art. 28 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que exige edição de lei específica para operações de salvamento de prazo maior, algo que pode ser intempestivo em uma crise sistêmica.

Na crise de 2008, por exemplo, o socorro às instituições financeiras ocorreu pela liberação de parte dos compulsórios para que instituições financeiras injetassem recursos em outras instituições com necessidade de liquidez, via compra de carteiras de crédito. Foi também após essa crise que o FGC foi autorizado a realizar operações de salvamento em instituições financeiras em dificuldades. Finalmente, a medida provisória 443/2008, convertida na Lei 11.908/2009, autorizou o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) a constituírem subsidiárias e a adquirirem participação em instituições financeiras sediadas no Brasil, resultando na compra de participações societárias do Banco Votorantim pelo BB e do Panamericano pela CEF.

Enquanto não for aprovada a nova legislação de regimes de resolução, mais alinhada com as melhores práticas internacionais, é prudente que seja mantido um nível mais alto de compulsórios.

Dimensionar as alíquotas de compulsório não é tarefa trivial, pois quando a alíquota de um determinado tipo de depósito aumenta, as instituições financeiras incentivam clientes migrarem para outras formas de captação. Em exemplo disso ocorreu em julho de 2002, quando o BCB aumentou as alíquotas de compulsórios da caderneta de poupança e as instituições financeiras criaram Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) que induziam clientes a acreditarem trata-se de poupança, o que gerou a necessidade posterior de elevação das alíquotas dos recolhimentos compulsórios dos depósitos a prazo. No Relatório de Economia Bancária (REB) de 2017, um estudo concluiu que a redução dos compulsórios teria efeito muito pequeno sobre o spread bancário, sendo mais significativo no aumento da oferta de crédito. O Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamenta os compulsórios da caderneta de poupança e o BCB os demais. As alíquotas vigentes são as seguintes:

  1. 21% dos depósitos à vista que excedam R$ 0,5 bilhão. Trata-se da menor alíquota do Plano Real, sendo inferior ao que era aplicado antes do Real (Gráfico 1). Dado o limite de isenção, só os bancos grandes recolhem. Não há remuneração;
  2. 20% dos depósitos na caderneta de poupança, superior ao piso de 15% praticado até 2002 (Gráfico 2). A remuneração é o rendimento da caderneta de poupança;
  3. 31% dos depósitos a prazo (Gráfico 3). A remuneração é Selic porque a taxa dos Depósitos Interfinanceiros (DI), marginalmente inferior à Selic, é a referência desse tipo de captação. Essa alíquota já foi nula;
  4. A alíquota para garantias realizadas é de 45%. Ela não tem relação com o controle de liquidez, mas com a imposição de um custo nos riscos assumidos pelos bancos. Não há remuneração;
  5. Estão zeradas alíquotas sobre posição de câmbio dos bancos, voltadas à suavização dos ciclos de apreciação e depreciação cambial, e sobre leasing de sociedades de arrendamento mercantil, utilizadas para mitigar expansão do crédito antes da crise de 2008 (Gráfico 4).

Além dos recolhimentos compulsórios, existem os direcionamentos de crédito definidos por resoluções do CMN e regulamentados e fiscalizados pelo BCB no caso de depósitos à vista e da caderneta de poupança. A racionalidade é que passivos bancários mais baratos devem servir a fins definidos socialmente. Por serem reguladas, as taxas de juros do crédito direcionado são significativamente menores que as do segmento livre (Gráfico 5). Se as instituições financeiras não comprovarem que direcionaram os depósitos, pagam multa de Selic + 4% ao ano sobre o que falta para cumprir com os requerimentos. Do ponto de vista da instituição financeira, só faz sentido direcionar o crédito nos termos definidos pelo CMN e pelo BCB se a margem financeira líquida esperada (juros das linhas de crédito menos juros de captação e perdas esperadas com inadimplência) do crédito direcionado for superior ao custo de descumprimento. Era exatamente o que ocorria com o crédito imobiliário até a edição da Lei 10.931/04, que, entre outros, fortaleceu garantias de financiamentos com garantias em bens. Até então, o saldo de financiamento imobiliário era ínfimo e muito menor que o saldo depositado na caderneta de poupança (Gráfico 6). As alíquotas vigentes para o crédito direcionado são as seguintes (Gráfico 7):

  1. 2% dos depósitos a vista para microcrédito e, se o tomador estiver no CadÚnico, o valor emprestado conta em dobro. Embora o microcrédito tenha taxas de juros significativamente mais altas que o crédito direcionado, a elevada inadimplência da carteira faz com que essas operações não sejam lucrativas (Gráfico 8). Em junho de 2019, o saldo do microcrédito foi de R$ 5,6 bilhões, (0,1% do PIB), sendo mais de 95% voltado para empreendedores;
  2. 65% dos depósitos em caderneta de poupança para crédito imobiliário e rural, ou seja, dado o compulsório de 20%, sobram 15% dos depósitos em caderneta de poupança para as instituições financeiras aplicarem livremente. As taxas são reguladas e um pouco acima do rendimento da poupança. O financiamento imobiliário é de longo-prazo, o rural de médio, e a caderneta de poupança pode ser sacada a qualquer momento sem custo. Em junho de 2019, o saldo da caderneta de poupança era de R$ 800,6 bilhões (11,5% do PIB), enquanto os saldos de financiamento imobiliário e de crédito rural foram de, respectivamente, 9,5% e 3,6% do PIB (Gráfico 7). Os saldos de financiamento imobiliário e rural excedem a caderneta de poupança porque há fontes de funding alternativas para o financiamento imobiliário (letras de crédito imobiliário, LCI, e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, FGTS) e rural (letras de crédito do agronegócio, LCA);

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não depende do direcionamento dos depósitos bancários, mas do direcionamento de 40% do PIS-PASEP (Constituição Federal, art. 239), dos aportes do Tesouro Nacional, cujo saldo foi de
R$ 268,2 (3,8% do PIB) em junho de 2019, de contas do FGTS e outros fundos, bem como captações no mercado.

Não há direcionamento de depósitos a prazo, cuja remuneração e condições contratuais, como prazo de carência e custos de resgate antecipado são definidas pelo mercado. O direcionamento de depósitos a prazo, além de reduzir a oferta de crédito no segmento livre, tenderia a favorecer captações dos bancos brasileiros no mercado internacional e incentivar captações por LCIs e LCAs, que contam com ausência de recolhimentos compulsórios e isenção de imposto de renda.

No Relatório de Economia Bancária (REB) de 2017, um estudo concluiu que a liberação de 10% dos direcionamentos de crédito resultaria em aumento de 5,6% no volume do crédito livre e redução de 1,3% na taxa de juros desse segmento. No REB de 2018, outro estudo constatou que a taxa interna de retorno do crédito direcionado é muito próxima do custo do crédito, indicando lucratividade baixa, a ser compensada no crédito livre.

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Conclusão

Embora as alíquotas de recolhimentos compulsórios tenham caído expressivamente nos últimos anos, o Brasil segue entre os países com compulsórios mais elevados do mundo. Tal prudência se deve principalmente à precariedade do atual arcabouço que o BCB dispõe para lidar com crises sistêmicas. Já o crédito direcionado corresponde a quase metade do estoque de crédito ofertado no Sistema Financeiro Nacional (SFN). Como as fontes de captação são determinadas pela legislação, o crédito direcionado conta com taxas de juros significativamente menores e prazos mais longos que o segmento livre.  Por um lado, o crédito direcionado diminui a necessidade de endividamento externo e permite o financiamento de áreas consideradas prioritárias, como microcrédito, habitação, agropecuária e infraestrutura. De outro, contribui para aumentar o custo do crédito livre e representa um subsídio de quem contribui para o funding – contribuintes tributários (PIS/PASEP e aportes do Tesouro no BNDES), trabalhadores formais do setor privado (FGTS) e pequenos poupadores (caderneta de poupança) – para os tomadores desses créditos. Nesse sentido, deveria ser reavaliado constantemente. Infelizmente, no debate sobre o crédito direcionado predominam visões ideológicas: de um lado, quem defende sua supressão; de outro, quem defende a manutenção do status-quo, como se não houvesse distorções a serem mitigadas.

A inflação argentina tem caído, mas em ritmo insuficiente para evitar uma desvalorização do peso

Esta semana, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC) divulgou que, na Argentina, a inflação aos consumidores foi de 2,7% em junho. Embora alta para padrões brasileiros, foi a terceira redução mensal consecutiva e primeira redução de 2019 no acumulado de 12 meses, de 57,4% para 55,9% (Gráfico 1). À primeira vista, isso parece indicar que a política de controle da inflação baseada em controle das taxas de câmbio e dos preços de alguns produtos da cesta básica esteja surtindo efeito, o que é crucial para os planos de reeleição de Macri.

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Fonte: INDEC

Entretanto, as perspectivas não são tão alvissareiras quanto parecem: tanto a inflação acumulada em 12 meses, 55,9%, quanto a inflação esperada para os próximos 12 meses, 30%, são muito elevadas. Um dos maiores problemas acarretados pela inflação elevada é a sobrevalorização da taxa de câmbio efetiva que, por sua vez, gera a necessidade de novas desvalorizações cambiais, que realimentam a já elevada inflação. Nos últimos 12 meses, a cotação do dólar aumentou de 27 para 42 pesos, mas, devido à elevada inflação, a taxa de câmbio efetiva ficou no mesmo patamar. Com isso, o déficit em transações correntes acumulado nos 12 meses encerrados em março de 2019, último dado disponível, foi de quase USD 22 bilhões, mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) argentino, consideravelmente elevado para uma economia em recessão.
Como a inflação dos principais parceiros comerciais da Argentina é baixa, isso significa que, mantida atual cotação de cerca de 42 pesos por dólar, a taxa de câmbio efetiva da Argentina também irá se apreciar em quase 30% nos próximos 12 meses, atingindo o mesmo patamar efetivo do final da década de 1990 e do final do mandato de Cristina Kirchner, ou seja, claramente sobrevalorizado (Gráfico 2).

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Fonte: BCRA

Embora a desvalorização cambial seja inevitável, é provável que os ajustes sejam postergados para depois das eleições, estratégia adotada por Macri nas eleições legislativas de 2017. Embora conte com instrumentos limitados, o Banco Central da República Argentina (BCRA) pode auxiliar o presidente nessa tarefa, pois as reservas internacionais estão em cerca de USD 64 bilhões (Gráfico 3) em decorrência de aportes do Fundo Monetário Internacional (FMI). A experiência recente tem mostrado que o adiamento de ajustes em função do calendário eleitoral tem custado muito caro para a Argentina. Ironicamente, se o BCRA fosse autônomo e com mandato explícito, como defendido pela maioria dos economistas liberais, o uso eleitoreiro do BCRA poderia ser evitado.

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Fonte: BCRA

Breves considerações sobre o texto da reforma da previdência aprovado pela Câmara

O principal mérito da reforma da previdência aprovada em primeiro turno na Câmara é instituir idade mínima para aposentadorias do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e aumentar a idade mínima para aposentadorias de servidores civis da União, aproximando as regras dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores civis da União. Na proposta original, a idade mínima aumentaria automaticamente quando a expectativa de sobrevida de idosos aumentasse, o que seria positivo. Entretanto, tenho cinco três críticas ao texto aprovado pela Câmara:

  1. A reforma da previdência tem técnica legislativa ruim. As regras previdenciárias saíram do texto constitucional e foram para os Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCTs), ou seja, são regras transitórias vigentes até que seja editada lei regulamentando a previdência. Nas regras de transição das ADCTs há outras regras de transição. Na proposta original, havia um menu de regras de transição com regras contraditórias (indício de revisão deficiente) e isso foi melhorado na comissão especial. A crítica à técnica legislativa não é mero preciosismo, pois textos complexos demais dão margem à judicialização, que tende a beneficiar desproporcionalmente aqueles que podem contratar bons advogados. Em termos de técnica legislativa, a proposta de Temer era impecável, muito melhor que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06;
  2. Há diversas concessões feitas a algumas corporações com lobby poderoso que pioraram ainda mais a técnica legislativa. Na PEC 06, cabe mencionar servidores civis da União admitidos até 2003, praticamente metade dos servidores na ativa, que continuarão tendo direito a se aposentar pelo salário mais alto da carreira, e policiais (inclusive federais, com remuneração bem alta), que irão se aposentar antes e com benefícios mais altos sem justificativa técnica para isso. Militares, embora não estejam incluídos na PEC 06, irão mantêm três privilégios exorbitantes: contribuições muito aquém do necessário para custear benefícios, aposentadoria pelo último salário da carreira e aposentadoria sem idade mínima, com aumento de apenas 5 anos de tempo de serviço;
  3. A exclusão de entes subnacionais, pois as regras de transição das ADCTs valem apenas para os benefícios pagos pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) e servidores civis da União, o que é absurdo. Além de complicar a situação fiscal de prefeitos e governadores, pode criar uma colcha de retalhos normativa, aumentando os custos da judicialização. Os regimes próprios de entes subnacionais representam quase 30% da despesa previdenciária brasileira;
  4. Mulheres. A precária inserção das mulheres no mercado de trabalho demanda regras mais brandas quanto ao tempo de contribuição e valor do benefício. Na versão aprovada, em relação aos homens, a idade mínima para aposentadoria de mulheres foi reduzida em 3 anos e o tempo de contribuição em 5 anos. A redução no tempo de contribuição é salutar, mas em vez de redução da idade mínima, as mulheres deveriam ter cálculo de benefícios mais favorável.
  5. Não há diferença de expectativa de sobrevida ou de doenças laborais que justifiquem regras diferenciadas para rurais. Além disso, é forçoso reconhecer que a previdência rural tem uma deficiência de custeio, sendo estruturalmente deficitária. Por outro lado, os índices de pobreza são maiores no meio rural. A contribuição anual de R$ 600, próxima à do Microempreendedor Individual (MEI) pode inviabilizar a cobertura previdenciária de famílias que trabalham em regime de subsistência. Pode-se argumentar que os trabalhadores rurais realmente pobres terão direito a benefícios assistenciais quando idosos, mas a cobertura previdenciária é mais ampla que aposentadoria, pois essas pessoas perderão acesso a auxílios diversos como maternidade, doença e acidente. Melhor seria manter a proposta de Temer de delegar à legislação infraconstitucional a criação de fontes de custeio para aposentadoria rural, pois isso demanda debate mais aprofundado.

Cabe observar que a comissão especial modificou o texto original da PEC 06, mantendo as regras vigentes para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – um salário mínimo mensal pago pelo INSS a pessoas com 65 anos ou mais com renda inferior a um quarto do salário mínimo. Entendo que o ideal seria a unificação do BPC e Bolsa Família em um grande programa de renda básica universal com benefícios escalonados em função do grau de pobreza e das necessidades específicas da faixa etária, mas a PEC propunha outra coisa, que prejudicaria muito idosos pobres de 65 a 69 anos. Neste sentido, é melhor manter o BPC como ele é hoje.

Câmara modificou a fórmula de cálculo da aposentadoria das mulheres, que poderão se aposentar com 100% da média dos salários com 35 anos de contribuição e manteve as regras atuais da previdência dos trabalhadores rurais. As mudanças foram na  na direção defendida por este artigo e, por essa razão, as críticas 4 e 5 ficaram prejudicadas.

Causas da grande depressão brasileira

A profundidade da crise

Entre 2015 e 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro teve queda acumulada de 6,7% e, desde então, o crescimento do PIB tem sido da ordem de 1% ao ano, pouco acima do crescimento populacional. Entre 2014 e 2018, a queda acumulada no PIB per capita foi de 8% e não há sinais que recuperemos tão cedo o nível de 2013. A crise atual, embora não seja a mais profunda de nossa história, é a mais duradoura desde 1901, não havendo, no início de 2019, sinais de retomada do crescimento econômico.
De fato, desde 1929, tivemos outras crises em que o PIB per capita caiu por mais de um ano: 1929-31 (-7,9%), 1940-42 (-4,5%), 1963-65 (-2,4%), 1981-83 (-12,4%), 1990-92
(-7,7%), 1998-99 (-2,2%). Com exceção da crise de 1998-99, essas crises coincidem com algum grau de ruptura institucional e, com exceção da crise atual, o PIB per capita cresceu rapidamente nos anos seguintes à crise (Gráfico 1).
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Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Hipóteses explicativas mais comuns

Há grande dissenso entre economistas na identificação das causas da crise atual e, consequentemente, no receituário a retomada do crescimento econômico. As quatro explicações mais comuns para a crise residem na política macroeconômica adotada até 2014, na queda dos preços das commodities ocorrida em 2014, na política macroeconômica adotada desde 2015 e em endividamento privado (até 2015) seguido de desendividamento privado (a partir de 2016).

1. A política adotada a partir da crise econômica de 2008 e, com mais intensidade na segunda metade do primeiro governo de Dilma Rousseff, conhecida como “Nova Matriz Econômica” (NME), com padrão errático de intervenção no domínio econômico combinado e política macroeconômica inconsistente

Desde que criei este Blog, sou crítico da política econômica do primeiro governo Dilma, especialmente de 2013 e 2014. No início do governo Dilma, a economia se encontrava sobreaquecida – em 2010, o PIB cresceu 7,5% – resultando em aumento da inflação – entre agosto de 2010 e setembro de 2011, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses aumentou de 4,5% (centro da meta de inflação) para 7,3% (acima do teto da meta de inflação) – e do déficit em transações correntes – que na metodologia atual aumentou de 1,5% do PIB em 2009 para 3,6% do PIB em 2010 (Gráfico 3).
Inicialmente, a política macroeconômica se voltou a reduzir a inflação e o desequilíbrio externo. De 2010 para 2011, o superávit primário aumentou de 2,6% para 2,9% do PIB. O Banco Central do Brasil (BCB), elevou a meta da taxa Selic de 8,75% para 12% entre abr/10 a set/11, reduzindo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses para 4,9%, pouco acima do centro da meta de inflação, em jun/12. A política cambial visou a limitar o influxo de capitais e a apreciação do real: entre abril de 2011 e junho de 2013 foi instituída alíquota de 60% sobre as posições vendidas de câmbio dos bancos e, entre 2011 e abril de 2013 o volume de reservas aumentou USD 90 bilhões, para USD 379 bilhões. Um efeito disso foi desaceleração do crescimento do PIB, para 4% em 2011 e 1,9% em 2012, cabendo ressaltar que os valores inicialmente divulgados pelo IBGE fossem de 2,7% 0,9%, respectivamente.
Devido à redução da inflação, o BCB reduziu a Selic, que chegou a 7,25% em setembro de 2012, até então a mínima histórica. Devido à desaceleração econômica, o superávit primário diminui para 2,2% do PIB em 2012. No segundo semestre de 2012, a inflação voltou a subir, ameaçando ultrapassar o teto da meta, então em 6,5%. Para evitar que o BCB aumentasse a Selic, o governo conteve preços de combustíveis e energia elétrica para impedir que a inflação ultrapassasse o teto da meta. Além de criar sinalizações equivocadas, incentivando o consumo de energia em momento no qual o país passava por secas que reduziram a capacidade de geração de energia elétrica, os controles de preços impulsionaram endividamento da Petrobrás e impuseram perdas bilionárias para Eletrobrás e diversas distribuidoras de energia elétrica.
Apesar do baixo crescimento do PIB, entre o segundo semestre de 2012 e o primeiro semestre de 2013, o IPCA cresceu continuamente, estourando o teto da meta de inflação. A partir de abril de 2013, o BCB iniciou processo de alta da Selic para reduzir a inflação. Para limitar a alta da Selic e, com isso, evitar uma desaceleração ainda mais forte da economia, a alíquota de recolhimentos compulsórios sobre posição vendida de câmbio foi zerada, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) referente a algumas operações de entradas de capitais foi reduzido e, a partir de junho de 2013, o BCB passou a emitir swaps cambiais que em poucos meses atingiram volume superior a USD 100 bilhões (Gráfico 2). O superávit primário reduziu-se para 1,7% do PIB, ou 1,4% do PIB se considerarmos o efeito das pedaladas. Em 2013, o PIB cresceu 3%, mas a inflação estava contida artificialmente por controles artificiais de preços e da taxa de câmbio.
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Fonte: BCB

Neste sentido, parece-me indiscutível que a política econômica adotada no primeiro governo Dilma foi inconsistente, adiando a necessidade de ajustes inevitáveis nos preços relativos. Entretanto, a magnitude dos erros adotados não explica a profundidade da crise: o saldo das pedaladas, por exemplo, nunca chegou a 1% do PIB e até 2013 o setor público incorria em superávits primários; embora tenha havido contenção artificial da inflação, o ajuste de preços de 2015 evidenciou que a inflação contida não chegou perto do que ocorreu na Argentina ou Venezuela, sendo possível combater inflação com mecanismos tradicionais de política monetária, tanto que a partir de 2016 o IPCA voltou a um dígito; apesar da sobrevalorização do real – cuja cotação foi mantida a partir de junho de 2013 por meio da colocação de swaps cambiais no mercado – e aumento dos déficits em transações correntes no primeiro governo, o BCB manteve elevado volume de reservas e a dívida externa é relativamente baixa. Por essa razão, mantenho minha concordância com Bráulio Borges: os erros de política econômica do primeiro governo Dilma explicam menos de 1/3 da crise.

2. A queda nas cotações de commodities exportadas pelo Brasil em 2014

Essa queda realmente ocorreu, resultou no aumento do déficit em transações correntes de USD 79,8 bilhões em 2013 para USD 101,4 bilhões em 2014 (Gráfico 3), exercendo efeito negativo sobre o PIB.
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Fonte: BCB

Embora a deterioração de termos de troca tenha contribuído para a recessão, seu poder explicativo é diminuto. A primeira questão é quanto à duração: a partir de meados de 2016, os preços das commodities iniciaram recuperação, resultando em diminuição do déficit em transações correntes a partir de 2015 que desde 2017 é de menos de USD 20 bilhões (menos de 1% do PIB), retomando o nível anterior à crise de 2008 (Gráfico 3). A segunda questão é o tamanho reduzido da corrente de comércio brasileira: desde meados da década passada, nem exportações, nem importações chegam a 15% do PIB, resultando em corrente de comércio de menos de 30% do PIB. É possível observar aumento das importações líquidas da crise de 2008 até 2014 e posterior reversão, mas o saldo é reduzido (Gráfico 4).
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Fonte: IBGE
Portanto, a deterioração de termos de troca, apesar de contribuir para a crise, foi localizada entre 2014 e 2016 e deve ser vista em perspectiva, pois o setor externo é muito pequeno para explicar em sua totalidade a dinâmica da econômica brasileira.

3. O ajuste monetário do final de 2014 ao final de 2016 e ajuste fiscal de 2015

Entre outubro de 2014 e julho de 2015, o BCB aumentou a meta da taxa Selic de 11% para 14,25%, mantendo-a nesse patamar até o final de 2016, quando, com inflação inequivocamente controlada, iniciou um ciclo de queda da taxa básica que terminou com a Selic em 6,5% no início de 2018, menor patamar nominal da história, acompanhado para expressiva redução nos requerimentos compulsórios dos depósitos bancários. Em 2014, o governo respondeu ao início da crise econômica acomodando a queda de receitas por meio da mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em dezembro daquele ano. Em 2015, houve expressivo corte de despesas discricionárias e, devido à quitação do saldo de pedaladas de anos anteriores (0,8% do PIB), o saldo primário (déficit de 1,9% do PIB – Gráfico 5) não explica totalmente o quão contracionista foi a política fiscal daquele ano. Em 2016, em parte devido a aumentos do funcionalismo, em parte para criar gordura para queimar antes da vigência do teto de despesas primárias, a política fiscal foi levemente expansionista, sendo praticamente neutra desde 2017.
Há três ordens de problemas em quem identifica na política macroeconômica adotada a partir do segundo governo Dilma a causa primordial da crise econômica: i. os efeitos da política macroeconômica são defasados, o que ocorreu, nos ciclos de alta da Selic de 2010/11 e 2014/16 e posterior queda da inflação. Neste sentido, a política macroeconômica de um ano produz efeitos no ano seguinte. Somente pressupondo agentes econômicos extremamente racionais, alto grau de credibilidade da política econômica e mercados ultra eficientes para que os ajustes sejam imediatos; ii. a ordem de grandeza nos ajustes – alta de 3,25% na Selic e restrição fiscal precária e apenas nas despesas discricionárias em 2015 – é muito pequena para explicar a magnitude da crise. O multiplicador fiscal teria de ser imenso, contrariando estudos empíricos; iii. desde 2017 a política monetária é expansionista e a política fiscal é neutra, não explicando a duração da crise.
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Fonte: BCB

4. Aumento do endividamento privado até 2015 e posterior redução

Outra explicação que se tornou bastante popular para explicar a crise econômica foi o aumento do endividamento privado nos anos que antecederam a crise e posterior redução. De fato, até 2015 o endividamento privado aumentou, mas exclusivamente no segmento de crédito direcionado (principalmente BNDES para pessoas jurídicas e financiamento imobiliário para pessoas físicas), com taxas de juros significativamente mais baixas, e captações no mercado interno substituindo o endividamento externo. Há quatro ordens de problemas nessa explicação: i. a desalavancagem privada teve início em 2016, quando a crise já estava instalada e diz respeito apenas às pessoas jurídicas (Gráficos 6 e 7); ii. desde 2008, o aumento do endividamento privado se deu nas modalidades mais baratas (Gráfico 7), mantendo o comprometimento de renda controlado; iii. o nível de endividamento privado brasileiro não destoa de outros países emergentes (Gráfico 8).
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Fonte: BCB e B3
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Fonte: BCB
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Fonte: Bank for International Settlements (BIS)

Causas não excludentes, mas insuficientes para explicar a crise

As hipóteses apontadas para explicar a crise não são necessariamente excludentes. É possível entender que equívocos de política econômica durante o primeiro governo Dilma aumentaram tensões inflacionárias e desequilibro externo que tornaram a economia brasileira especialmente vulnerável à queda de preços de commodities de 2014 a 2016. Os inevitáveis ajustes tornaram a política macroeconômica de 2015 procíclica, agravando a crise. O ajuste fiscal inviabilizou a expansão do crédito direcionado e o ajuste monetário encareceu o crédito no segmento livre e as captações de mercado, induzindo um processo de desalavancagem de empresas.
Em algum grau, isso também ocorreu no final dos anos 90: a âncora cambial necessária para a implantação do Plano Real foi mantida por mais tempo que o necessário para assegurar a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, aumentando déficits externos (Gráficos 3 e 4). Adicionalmente, o déficit primário acumulado entre 1995 e 1998 (Gráfico 5) não contribuiu para manutenção da âncora cambial. O inevitável ajuste cambial de 1999 pressionou a inflação, intensificada pelo racionamento de energia de 2001/02, e prejudicou os agentes privados que haviam se endividado em dólares nos anos 90, gerando a necessidade de desalavancagem privada. O aumento da dívida pública que resultou da manutenção de juros altos e dolarização da dívida interna impediu que o setor público pudesse ter atuação anticíclica – em 1999 a política fiscal teve efeito mais contracionista que em 2015. Entretanto, recessão de 1998/99 foi muito mais suave e rápida que a crise atual (Gráfico 1). Neste sentido, não se pode descartar o papel das expectativas autorrealizadoras dos agentes econômicos como fator a intensificar a crise, como constatado em estudo de Roger E.A. Farmer.
Finalmente, a magnitude e a duração dos ajustes macroeconômicos são relativamente pequenas para explicar a profundidade e duração da atual crise econômica. Os fatores que contribuíram para a crise não estão mais presentes: em 2016, o preço das commodities se recuperou e a política fiscal deixou de ser contracionista e a partir de 2017 a política monetária tem sido fracamente expansionista, resultando em moderada expansão do endividamento privado – pelo sistema bancário para pessoas físicas e pelo mercado de capitais para pessoas jurídicas.

A operação Lava Jato

A Operação Lava Jato teve início no final do primeiro trimestre de 2014, pouco antes do início do ciclo recessivo. Em 2015, um Diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) afirmou que a Lava Jato estava relacionada com a recessão do Brasil. No final daquele ano, duas consultorias estimaram que a Lava Jato seria responsável pela maior parte da recessão daquele ano. O PIB da construção, setor que está no epicentro da Operação Lava Jato, caiu 28% entre 2014 e 2015, reforçando a relação entre a Operação e a crise.
Estudo recente publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que notícias de corrupção geraram redução do PIB per capita de cerca de 3%, um pouco mais nos países emergentes, em um horizonte de dois anos, o que explicaria quase 40% da queda do PIB per capita ocorrido desde 2014. Bráulio Borges, citando o mesmo estudo publicado pelo FMI, também acredita que, ao menos no curto-prazo, a Operação Lava Jato explique parte relevante da atual crise econômica.
A Operação Lava Jato revelou que, além de sobrepreço nas obras públicas, a corrupção gera uma alocação ineficiente de subsídios e investimentos públicos. Neste sentido, mesmo admitindo os custos de curto-prazo, é possível vislumbrar que o combate à corrupção gere efeitos positivos no longo-prazo ao criar um ambiente de negócios mais competitivo e previsível. Entretanto, tais benefícios esperados só subsistem quando se age na estrita legalidade. Nas palavras do então juiz Sergio Moro “(…) a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. É esta quem define os limites e as possibilidades da ação judicial.”. Entretanto, diversos juristas vêm apontando que a as condutas da Operação Lava Jato “(…) fere(m) qualquer sentido de democracia constitucional.”. Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, os diálogos recentemente revelados entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato evidenciam que a Operação Lava Jato feriu regras da magistratura.
Em outras palavras, os benefícios de médio e longo-prazo suplantam os custos de curto-prazo no combate à somente quando resultam em aprimoramento institucional. A previsibilidade das regras do jogo é essencial para o cálculo econômico. Entretanto, desde o início a Lava Jato não precisou seguir regras de casos comuns, com flexibilização de garantias constitucionais com embasamento “jurídico” em princípios vagos como “interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal”. Além disso, a Operação foi marcada por impasses entre diferentes órgãos públicos que atrasaram a realização de acordos de leniência, prolongando a crise nas empresas afetadas e, portanto, o processo de perda de valor. Mesmo após a realização do primeiro acordo de leniência que envolveu todos os órgãos de combate à corrupção, há críticas no sentido que esses acordos não teriam cumprido a lei anticorrupção.
Neste sentido, vale mencionar que, após o Mãos Limpas, operação de combate à corrupção que serviu de inspiração à Operação Lava Jato, a Itália tem sido uma das economias menos dinâmicas da zona do euro (Gráfico 9), havendo quem afirme que a corrupção só mudou de forma, pois (o Mãos Limpas) “não promoveu nenhuma melhora na transparência, na prestação de contas nem na capacidade de resposta das instituições políticas italianas.”

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Fonte: Banco Mundial

Considerações finais

Ainda há acalorado debate entre economistas sobre as causas da crise econômica iniciada em 2014. Embora tenham algum poder explicativo, os elementos apontados como causas da crise – erros na condução da política econômica do primeiro governo Dilma, queda do preço das commodities em 2014/15, ajuste fiscal e monetário recessivos de 2015 e redução do endividamento privado a partir de 2016 – não são aptas a explicar a magnitude da queda do PIB e a duração da crise. Neste sentido, estudos recentes publicados pelo FMI corroboram diversas estimativas que a Operação Lava Jato tenha contribuído significativamente para a crise no curto-prazo. O combate à corrupção poderia gerar ganhos de médio e longo-prazo se houvesse efetivo aprimoramento institucional. Entretanto, não vejo como sustentar essa hipótese, dado que a Operação Lava Jato dependeu de diversas regras excepcionais, desrespeitando normas constitucionais e infraconstitucionais. Além disso, não houve preocupação com a separação entre empresas e seus controladores corruptos, gerando destruição de valor, que foi agravada pelas disputas de protagonismo entre diferentes setores estatais, que prolongaram e ainda prolongam a crise de diversas empresas. A experiência italiana após o Mãos Limpas reforça a minha crença que os ganhos de longo-prazo podem nunca se materializar.