Afinal, o teto de despesas reduziu os recursos da educação e saúde?

A emenda constitucional 95/2016 introduziu o novo regime fiscal, que limitou as despesas primárias da União ao valor real de 2016 e modificou os valores mínimos a serem aplicados em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) e ações e serviços públicos de saúde (ASPS) por 20 anos. Após meia década de sua aprovação, quais os resultados efetivamente observados?

  1. Despesas primárias reais da União

Com exceção do ano de 2020, quando a EC 106/2020 instituiu o regime extraordinário fiscal, permitindo a realização de despesas para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia da Covid-19, as despesas primárias reais da União têm se mantido no mesmo patamar desde 2015: em 2021, a despesa real foi 4,6% maior que a de 2014. A maior parte desse aumento real se deu em 2019, quando uma interpretação criativa da equipe econômica sancionada pelos órgãos de controle permitiu que uma receita extraordinária de concessões de mais de R$ 80 bilhões obtida em dezembro fosse gasta ainda naquele ano (vide item IV), resultando em despesa real 3,7% maior que a de 2016. Como o teto de despesas é calculado a partir do ano anterior, o aumento real de 2019 elevou o teto de despesas de 2021 em diante (Gráfico 1).

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

Portanto, a estabilização da despesa primária real da União teve início 2 anos antes do teto de despesas, sendo que este não impediu aumento da despesa primária real da União a partir de 2019.

  1. Despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE)

Além do teto real de despesas, a EC 96/2016 também modifica, durante sua vigência, o montante mínimo que a União deve gastar com MDE: em vez de 18% da receita líquida de impostos do ano corrente, o valor real correspondente a 18% da receita líquida de impostos de 2016. Como no longo prazo a receita real de impostos tende a crescer, aumentando com isso os recursos mínimos a serem aplicados em MDE, a mudança visou a impedir que a vinculação de despesas com educação inviabilizasse o cumprimento do teto de despesas.

Como consequência do elevado patamar inicial de despesas com MDE e do teto de despesas, as despesas com MDE caíram anualmente como proporção da receita líquida de impostos, com exceção de 2020. Entretanto, somente em 2021 as despesas com MDE foram menores que os 18% da receita líquida de impostos preconizados pelo art. 212 da Constituição Federal (Gráfico 2). Ainda assim, em montante inferior a R$ 0,5 bilhão.

Fonte: STN – Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO)

Em outras palavras, embora as despesas reais com educação da União estejam em queda desde 2017, foi somente no ano passado que ficaram abaixo do mínimo estipulado pelo art. 212 da Constituição – por pequena margem. Essa distância tende a se aprofundar nos próximos anos.

  1. Despesas com ações e serviços públicos de saúde (ASPS)

No caso das ASPS, a sistemática de aplicação de recursos era um pouco mais complexa, pois a EC 86/2015 havia estabelecido um cronograma gradual de implementação dos gastos mínimos com ASPS, de 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) em 2016 para 15% da RCL a partir de 2020. O novo regime fiscal determinou que a aplicação mínima em ASPS fosse equivalente ao valor real de 15% da RCL de 2017.

Já as despesas com ASPS foram inferiores ao valor mínimo estipulado pela sistemática anterior apenas em 2019, quando foram gastos 13,4% da RCL em vez dos 14,5% estimulados na EC 86/2015, diferença que corresponde a R$ 10,2 bilhões (valor não atualizado). Em parte, devido à queda de receitas causada pela recessão de 2020, em parte devido ao esperado aumento de despesas com saúde em uma pandemia, as despesas com ASPS foram superiores a 15% da RCL em 2020 e 2021 (Gráfico 3).

Fonte: STN – RREO

Em suma, não fosse a pandemia, o teto de despesas teria reduzido os gastos com saúde da União para valores inferiores aos mínimos estipulados pela EC 86/2015. Por essa razão, espera-se que, com o fim da pandemia, as despesas com saúde caiam abaixo do estipulado pelo art. 198 da Constituição Federal.

  1. Despesas discricionárias e sujeitas a controle de fluxo

Como a maior parte das despesas da União é obrigatória, irredutível por determinação constitucional e/ou tende a crescer vegetativamente com o envelhecimento da população, uma consequência da manutenção do patamar real das despesas primárias da União desde 2015 (vide item I) tem sido a incidência de ajuste em despesas obrigatórias sujeitas a controle de fluxo ou discricionárias, como investimentos, desde aquele ano. Como expliquei neste Blog, em 2019 isso foi um elemento fundamental dos cortes em recursos destinados às universidades federais que motivaram diversas manifestações contra o governo.

A trajetória de queda das despesas discricionárias como proporção das despesas totais foi interrompida com o aumento de despesas possibilitado pelas receitas extraordinárias de dezembro de 2019 (vide item I). O regime extraordinário fiscal, que possibilitou expansão fiscal sem precedentes, distorceu essa comparação porque a maior parte das despesas criadas foi obrigatória, como o auxílio emergencial. Em 2021, as despesas obrigatórias com controles de fluxo e as discricionárias foram 16,7% das despesas primárias da União, menor valor da série histórica, considerando que os números de 2020 foram atípicos (Gráfico 4).

Fonte: STN

Como as despesas sujeitas a controle de fluxo estão em patamares mínimos, o cumprimento do teto de despesas depende de cortes adicionais nos investimentos, adiamento de despesas para os próximos exercícios e interpretações criativas da EC 95/2016. Como neste ano o presidente é pré candidato à reeleição, é muito provável que ocorra algo similar ao que ocorreu em dezembro de 2019 para acomodar aumento de despesas típico de ano eleitoral. Infelizmente, acredito que o posicionamento dos órgãos de controle dependerá mais da popularidade do presidente que do texto constitucional.

Conclusões

i. A estabilização das despesas reais da União precede em dois anos a vigência do teto de despesas;

ii. Desde 2015, o ano de maior aumento real de despesas foi 2019, a despeito da vigência do novo regime fiscal;

 iii. Como o teto de despesas é calculado com base nas despesas dos anos anteriores, a interpretação criativa de 2019 perenizou o aumento do teto de despesas;

iv. Embora o teto de despesas tenha modificado os gastos mínimos com educação e saúde, essas despesas só ficaram abaixo do mínimo anteriormente estipulado em 2021 para educação e 2019 para saúde. Como eu havia previsto neste Blog quando o novo regime fiscal era uma proposta de emenda à constituição, as despesas com educação e saúde seriam inferiores aos mínimos vigentes anteriormente a partir do início desta década;

v. Como há poucas despesas passíveis de compressão, o teto de despesas só será cumprido com cortes adicionais de investimentos, adiamento de despesas para os próximos anos ou interpretações criativas do texto constitucional, algo que eu também havia previsto em 2016 ao concluir que o teto de despesas traria “maior ineficiência na administração orçamentária”.

Quem me acompanha neste Blog ou nas redes sociais sabe que defendo a necessidade de ajuste fiscal estrutural nas contas públicas brasileiras, em especial no que diz respeito às despesas previdenciárias, dado que servidores civis de entes subnacionais e militares não foram atingidos pela reforma de 2019. Embora eu reconheça que o teto de despesas foi importante para estabilizar expectativas após o impeachment, os números divulgados pelo Tesouro Nacional demonstram que o teto de despesas não foi necessário para que um importante ajuste fiscal nas despesas fosse iniciado em 2015. Além disso, a partir 2022 ele tende a criar diversas ineficiências na gestão fiscal. O próximo presidente, que desejo não ser o atual, deverá apresentar propostas de reformas fiscais que equilibrem a necessária revogação do teto de despesas com a necessidade de ancorar expectativas fiscais e estabilizar a relação dívida pública/PIB. Em breve, espero escrever neste Blog para comentar como uma medida provisória que promova acerto de contas entre o Banco Central do Brasil e o Tesouro Nacional pode simultaneamente diminuir a dívida pública e reforçar a autonomia da Autoridade Monetária concedida por meio da Lei Complementar 179/2021.

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A tempestade perfeita: como diversas restrições fiscais convergem para os cortes na educação

Abraham Weintraub ocupa o posto de ministro da Educação há pouco mais de um mês, substituindo Ricardo Vélez Rodríguez, ex-ministro demitido em decorrência de paralisia no Ministério da Educação (MEC) devido a divergências entre apoiadores do atual presidente. Weintraub, que já demonstrou não ter noção das ordens de grandeza orçamentárias do MEC, primeiramente anunciou corte de verbas para algumas universidades que, segundo ele, tinham desempenho abaixo do esperado e promoviam “balbúrdia”. Em seguida, anunciou que os cortes ocorreriam apenas no ensino superior devido a uma suposta priorização do ensino básico (do infantil ao médio). Tal discurso tampouco se sustentou porque os cortes também atingem ensino básico. A repercussão negativa levou o Presidente e o Ministro a anunciarem que as universidades federais estariam preservadas e alguns parlamentares da base aliada disseram que o governo recuaria na decisão de cortar despesas de universidades. Posteriormente, foram desmentidos pelo governo, o que por sua vez gerou revolta de deputados da base aliada, com um deles dizendo “não admitir ser chamado de mentiroso”. Esse quiproquó impulsionou manifestações em diversas cidades do Brasil contra “cortes na educação” em 15.05.2019.

Além da evidente ausência de intimidade de Weintraub com orçamento do MEC e falhas de comunicação entre integrantes do governo e do governo com a sociedade, a dificuldade de se entender os cortes na educação é que eles ocorrem por diversas restrições fiscais simultâneas:

1. Contingenciamento de início de ano. No Brasil, somente 1,2% da receita corrente líquida é de execução obrigatória pelo Poder Executivo e isso só ocorre desde a Emenda Constitucional 86/2015. As leis orçamentárias tendem a inflar previsões de receitas para acomodar emendas de parlamentares e o ajuste é feito periodicamente pelo Poder Executivo, que pode contingenciar e remanejar parte do orçamento. Tal raio de manobra não é tão grande quanto se possa imaginar à primeira vista porque a maior parte do orçamento é de despesas obrigatórias (Vide item 5). É comum que todo início de ano o Poder Executivo contingencie despesas, liberando verbas ao longo do ano. Neste ano, o Decreto 9.711/2019 disciplina a programação financeira da União, estipulando os contingenciamentos típicos de início de ano.

2. Queda de receitas projetadas dificulta atingimento da meta de saldo primário. Desde o final de 2018 a economia brasileira tem dado sinais de desaceleração em relação a um patamar de crescimento já bastante reduzido, o que tem resultado em sucessivos cortes de projeções de crescimento econômico, queda da arrecadação (Gráfico 1) e, consequentemente, queda da estimativa de receitas de 2019 em relação ao inicialmente estimado na Lei Orçamentária Anual (LOA). Diante dessa situação precária, o contingenciamento de despesas foi rigoroso. Cabe lembrar que uma das razões que levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a emitir parecer pela rejeição das contas de Dilma em 2015 foi aumento de despesas quando já estava claro que as receitas seriam inferiores ao estimado pela LOA.

3. Calendário eleitoral: ajuste de primeiro ano de mandato. A política fiscal costuma seguir calendário eleitoral, ou seja, as despesas tendem a aumentar em anos eleitorais e cair no primeiro ano de governos. Como parte das despesas é irredutível em decorrência da Constituição e de leis, o ajuste é desproporcional nas despesas aqui denominadas de “contingenciáveis”: despesas obrigatórias em que o Poder Executivo pode controlar a execução orçamentária e discricionárias, como investimentos. Conforme se observa no Gráfico 1, em todos os anos eleitorais (pares) houve aumento tanto da despesa primária real, quanto das despesas contingenciáveis. Com exceção de 2007, ano em que a economia brasileira crescia rapidamente com bons indicadores fiscais e externos e sem pressões inflacionárias significativas, houve queda das despesas contingenciáveis nos anos de início de governo (ímpares), que também foram anos em que o Banco Central aumentou a Selic para combater a inflação. Importante mencionar que em 2015 a série do Tesouro Nacional só mostra aumento real das despesas primárias porque no final daquele ano o governo quitou as pedaladas de anos anteriores (Vide item 5 e Gráfico 3). Se não fosse a quitação de despesas realizadas em anos anteriores, também teria havido queda real de despesas primárias em 2015.

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Fonte: Tesouro Nacional

4. A Emenda Constitucional 95/2016, que fixou teto de despesas primárias no valor real de 2016 e mudou as vinculações de receitas para educação e saúde, tornou o ajuste fiscal típico de início de mandato permanente após a leve expansão fiscal de 2016. Em 2018, as despesas primárias nominais foram 29,2% maiores que em 2014. Se os valores mensais forem atualizados pelo IPCA de março de 2019, o aumento real das despesas primárias nos últimos quatro anos foi de apenas 1,6%. O Gráfico 2 deixa claro que o teto real de despesas foi observado nos dois primeiros anos de vigência.

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Fonte: Tesouro Nacional

5. Rigidez orçamentária. Economistas costumam dar muita ênfase às vinculações de impostos educação e saúde, mas elas são apenas 40% da receita líquida de impostos dos municípios e menos que isso para estados, Distrito Federal e União. O engessamento do orçamento decorre principalmente de despesas obrigatórias e irredutíveis, como subsídios de servidores públicos (CF, art. 37, XV, art. 95, III, art. 128, §5º, I, c) e benefícios da seguridade social (CF, art. 194, parágrafo único, IV), sendo que esses últimos também devem ter valor real preservado (CF, art. 201, §4º). Além de serem a maior parte da despesa primária da União, tendem a crescer vegetativamente com promoções de servidores públicos e envelhecimento da população.

No Gráfico 3, pode-se observar crescimento praticamente ininterrupto das despesas com benefícios do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), pois o envelhecimento da população aumenta quem tem acesso aos benefícios e tempo de recebimento dos benefícios. Em 2018, a despesa com benefícios do INSS foi 48,5% superior à de 2014 ou 16,9% em termos reais.

Já as despesas de pessoal (ativos, inativos e pensionistas), embora irredutíveis, podem ser congeladas, o que explica as reduções em termos reais ocorridas em 2003 e 2015, anos de ajuste fiscal e inflação de dois dígitos. Em 2018, a despesa com pessoal foi 34% superior à de 2014 ou 5,5% em termos reais. Esse aumento ocorreu principalmente pelos expressivos aumentos salariais de servidores públicos durante o governo Temer.

Outras despesas obrigatórias também tendem a ser rígidas à baixa – a elevação no final de 2015 se deve à quitação de pedaladas realizadas em anos anteriores, explicando o aumento temporário. Em 2018, outras despesas obrigatórias foram 9,8% superiores às de 2014, queda de 13,4% em termos reais.

Já as despesas obrigatórias com controle de fluxo de caixa e despesas discricionárias tiveram aumento de apenas 2,7% em relação a 2014, queda de 19,5% em termos reais. Enquanto perdurar o teto de despesas, as sucessivas LOAs tenderão a reservar valores cada vez menores para essas despesas.

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Fonte: Tesouro Nacional

6. O ajuste sobre despesas discricionárias. Como o próprio nome diz, as despesas obrigatórias com controle de fluxo são obrigatórias, havendo um limite para cortes. Por essa razão, mantiveram participação praticamente estável nas despesas primárias, caindo de 10,9% em 2014 para 10,1% em 2018. Já a participação das despesas discricionárias caiu de 13,9% em 2014 para 9,5% em 2018 (Gráfico 4).

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Fonte: Tesouro Nacional

Embora as despesas de investimento estejam em patamar bastante deprimido e sem cobrir a depreciação desde 2016, cortes adicionais em investimentos podem resultar em violação da “regra de ouro”, que veda “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital” (CF, art. 167, III). Isso cria uma pressão para cortes adicionais em despesas discricionárias de custeio. Como já afirmei neste Blog, o novo regime fiscal é insustentável.

Conclusão

O contingenciamento de despesas na educação tem como fundamento o ajuste de despesas típico de início de ano e de mandato, agravado pelo desaquecimento econômico. Como o ajuste de início de mandato em 2015 foi seguido do congelamento de despesas primárias e diversos componentes da despesa são rígidos, os cortes têm recaído desproporcionalmente nas despesas discricionárias, muitas das quais já estão no limite. Embora o valor contingenciado represente percentual relativamente pequeno das despesas das universidades e institutos federais, os cortes ocorrem em uma base já bastante reduzida, trazendo risco real de colapso na oferta de alguns serviços. Não se surpreendam se outros ministérios entrarem em colapso. Um ajuste dessa magnitude demanda conhecimento do próprio Ministério, do orçamento e capacidade de comunicação e diálogo, virtudes que o atual ministro da educação demonstrou não ter. Com a banalização do impeachment, é importante lembrar que atos que atentem contra a lei orçamentária podem ser considerados crime de responsabilidade do Presidente da República (CF, art. 85, VI), explicando a cautela do governo.

A insustentabilidade da “PEC do teto de despesas”

Desde 2014, a União tem déficits primários recorrentes, principalmente devido à queda de receitas, reflexo direto da recessão. Desde o final do ano passado, as receitas têm crescido acima da inflação, mas ainda são inferiores das despesas primárias. Como se pode observar no Gráfico 1, a partir de 2015, as despesas reais da União têm se mantido estáveis, pois o aumento de dezembro de 2015 ocorreu devido a um evento extraordinário, a quitação do saldo remanescente das “pedaladas”. Portanto, a Emenda Constitucional 95/2016 (Novo Regime Fiscal), que determina o congelamento real das despesas primárias da União a partir de 2017, apenas manteve o congelamento de despesas reais da União que vinha ocorrendo desde 2015.

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Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

Nos meses iniciais de vigência no Novo Regime Fiscal, eu já havia apontado para a precariedade do ajuste fiscal, que recaia desproporcionalmente sobre os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Como praticamente metade das despesas primárias da União é com benefícios do INSS e aposentadorias e pensões de servidores públicos, a viabilidade do Novo Regime Fiscal depende de uma reforma da previdência profunda que diminua o ritmo de crescimento das despesas, ao mesmo tempo que adie aposentadorias nos próximos anos. Mesmo após recuar nos aspectos mais regressivos e manter privilégios, o governo Temer não conseguiu aprovar a reforma, inviabilizando a cumprimento do Novo Regime Fiscal até o final da presente década.

Conforme se observa no Gráfico 2, a trajetória das despesas do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e dos benefícios assistenciais (Benefício de Prestação Continuada, BPC) não teve alteração significativa nos últimos anos. As despesas de pessoal, que aumentaram menos que a inflação em 2015 e 2016, tiveram aumento real de 7% em 2017, resultado de diversos acordos que beneficiaram principalmente a elite do funcionalismo e que irão aumentar ainda mais com o aumento do teto constitucional a partir de 2019. Há ainda o incerto aumento de despesas decorrentes da Emenda Constitucional 98/2017, a qual determina a inclusão de servidores de ex-territórios nos quadros da União.

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Fonte: STN

Por essa razão, o ajuste tem recaído exclusivamente sobre as outras despesas obrigatórias e sobre despesas discricionárias. Entre setembro de 2017 e agosto de 2018, as outras despesas obrigatórias caíram 19% e as despesas discricionárias caíram 9% em termos reais (Gráfico 2). É de se esperar que o corte de despesas obrigatórias seja cada vez mais difícil devido ao forte ajuste ocorrido nos últimos anos. O corte nas despesas discricionárias também tem uma composição ruim: nos últimos 20 meses, a despesa real com o MCMV caiu 58% e as despesas do PAC caíram quase 29%. Já as despesas discricionárias do Judiciário de Ministério Público da União tiveram queda real bem mais modesta, de 6%, sendo que, ao contrário do PAC e do MCMV, tinham sido preservadas entre 2015 e 2016 (Gráfico 3)

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Fonte: STN

Em outras palavras, além e não promover a reforma da previdência, o governo cede a todo momento às corporações de servidores públicos, risco que já havíamos apontado neste Blog quando o Novo Regime Fiscal era conhecido como “PEC do teto”. No ano que vem, as despesas com previdência e pessoal continuarão aumentando e será praticamente impossível acomodar esses aumentos com cortes de outras despesas, dado o patamar bastante deprimido que se encontram. A revogação da PEC dos gastos não será uma escolha política, mas uma imposição da realidade. Desde já, o debate deve ser não sobre a eventual manutenção do teto de despesas, mas qual a regra que irá substituí-lo.

A precariedade do ajuste sob o novo regime fiscal

Desde meados de 2015 tem havido relativa estabilização das despesas primárias reais da União. Os saltos ocorridos em 2015 e 2016 se devem à quitação das pedaladas em 2015[1] e quitação extraordinária de restos a pagar em 2016[2], eventos extraordinários que não irão se repetir. No caso das receitas primárias da União, depois de uma queda expressiva causada pela recessão de 2015 e 2016, há sinais de estabilização da arrecadação (Gráfico 1)

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Fonte: Tesouro Nacional

Os dados fiscais relativos ao primeiro semestre de 2017 pelo Tesouro Nacional[3] e as declarações mais recentes de integrantes do governo já trazem algumas pistas sobre como a Emenda Constitucional 95/16, que introduz o novo regime fiscal, com congelamento real de despesas da União, vai ser cumprida[4].

  1. Aumento da base de cálculo

A quitação extraordinária de restos a pagar no final de 2016 foi um meio de inflar o teto de despesas do novo regime fiscal, que tomou como base as despesas primárias de 2016. Recentemente, o Tesouro Nacional propôs “Aprimoramento” no tratamento das operações do Financiamento Estudantil (FIES), que na prática resultará em aumento de R$ 7,6 bilhões no teto de despesas para 2017:

“A STN promoverá revisão da apuração da base de cálculo (2016) e dos limites de despesas primárias anuais dos próximos 20 anos, em linha com a EC nº 95/2016. O total de despesas primárias de 2016 sujeitas ao NRF será alterada de R$ 1.214.384.410.569 para R$ 1.221.426.998.648, e o limite para 2017, calculado conforme o inciso I, §1º do art. 107, passará de R$ 1.301.820.088.130 para R$ 1.309.369.742.551 (…)”[5]

  1. Contingenciamento de despesas discricionárias, como investimentos

Em 2016, quase dois terços das despesas primárias da União foram com aposentadorias e pensões do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), benefício de prestação continuada (BPC), voltado para idosos e pessoas com deficiências pobres[6], e funcionalismo público civil e militar, na ativa, aposentados e pensionistas (Gráfico 2). Tais despesas são rígidas, pois benefícios previdenciários e vencimentos de servidores são constitucionalmente irredutíveis (CF, art. 194, IV e art. 37, XV) e têm dinâmica de curto-prazo própria independente da área fiscal. Como o novo regime fiscal não ataca a dinâmica dessas despesas, elas continuam crescendo vegetativamente, o que leva o ajuste a recair de maneira muito violenta sobre o terço restante dos gastos, especialmente sobre as despesas discricionárias, como investimentos: nos 12 meses encerrados em junho de 2017, as despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa “Minha Casa, Minha Vida” já caíram mais de 20% em relação a 2016.

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Fonte: Tesouro Nacional

  1. Formais mais heterodoxas de gerenciamento de despesas

A despesa de estatais não dependentes não estão sujeitas ao teto real de despesas. Por essa razão, uma forma de contornar o teto de despesas é por meio do aumento de investimentos dessas estatais[7]. Quando os investimentos executados estiverem além da capacidade financeira das estatais, a solução é dada pela pelo próprio regime fiscal, que exclui o aporte de capital em estatais não dependentes do teto de despesas (ADCT, art. 107, §6º, IV).

Para o próximo ano, a Secretária do Tesouro já sinalizou que a União pode não honrar reajustes de servidores estipulados em leis já sancionadas e publicadas[8], algo que certamente irá gerar demandas judiciais e eventuais esqueletos no futuro. Cabe lembrar que as carreiras jurídicas, auditores fiscais e Política Federal não estarão sujeitas ao contingenciamento, pois asseguraram aumento por uma “gratificação por produtividade” estendida a inativos.

  1. Corporações blindadas[9]

Quando o novo regime fiscal foi proposto, uma das reações mais violentas veio de corporações públicas receosas de perderem privilégios. Uma consequência disso foi que Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria não estão sujeitos ao teto de despesas entre 2017 e 2019 (ADCT, art. 107, §§ 7º e 8º). À época, isso se justificou para assegurar aumentos de vencimentos escalonados para os primeiros anos de vigência do novo regime fiscal. Entretanto, mesmo quando se desconsidera este argumento, é possível verificar que o limite de despesas trata Judiciário e Ministério Público de maneira diferenciada. Enquanto as despesas com o PAC e “Minha Casa Minha Vida” caíram mais de 20%, as despesas discricionárias do Poder Judiciário e do Ministério Público da União caíram cerca de um terço disso, 6,9% (Gráfico 3). Também há que se fazer menção ao autoconcedido reajuste de 16% para procuradores do Ministério Público da União, cujo impacto será incerto, pois gerará efeitos em cascata sobre MPs estaduais, Defensorias e Poder Judiciário.

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Fonte: Tesouro Nacional

Conclusão

Nos primeiros meses de 2017, embora o déficit primário continue elevado e sem perspectivas de redução significativa no curto-prazo, já se verifica alguma estabilização nas trajetórias de receitas e despesas da União. Também é possível avaliar como se vai se dar o cumprimento do teto de despesas do novo regime fiscal: recálculos e reclassificações de despesas do passado para aumentar o teto de despesas, compressão de investimentos a um mínimo possível, uso de estatais para realização de investimentos e medidas juridicamente questionáveis, mas que só irão gerar passivos para os próximos governos. Por outro lado, Poder Judiciário, Ministério Público e algumas corporações do Executivo praticamente estão imunes ao novo regime fiscal. Trata-se, portanto, de um ajuste precário, pois insustentável no longo-prazo, pretensamente transparente, pois depende de sucessivas modificações em séries históricas, e regressivo, pois tem poupado quem está no topo da pirâmide.

[1] https://bianchini.blog/2016/04/05/pedaladas-fiscais-e-impeachment/

[2] http://www.fazenda.gov.br/noticias/2017/janeiro/governo-reduz-em-r-37-5-bilhoes-o-estoque-de-restos-a-pagar-para-2017

[3] http://www.tesouro.fazenda.gov.br/web/stn/resultado-do-tesouro-nacional

[4] As regras do Novo Regime Fiscal estão mais detalhadas em outro texto que escrevi neste Blog: https://bianchini.blog/2016/10/15/o-novo-regime-fiscal-e-as-vinculacoes-de-despesas-com-saude-e-educacao/

[5] http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/0/Nota+t%C3%A9cnica+-+Discrep%C3%A2ncia+estat%C3%ADstica/a77b5354-d6ab-4bcd-887e-7519085276d8

[6] Ao discorrer sobre a reforma da previdência, escrevi sobre as regras de concessão de benefícios do INSS e BPC: https://bianchini.blog/2017/02/14/breves-consideracoes-sobre-a-pec-28716-reforma-da-previdencia/

[7] http://www.valor.com.br/brasil/4882402/planejamento-preve-execucao-recorde-do-orcamento-de-estatais

[8] http://www.valor.com.br/brasil/5055296/governo-estuda-adiar-reajustes-do-executivo-diz-secretaria-do-tesouro

[9] Quando o Novo Regime Fiscal era uma proposta de emenda constitucional já ficou bem claro que as corporações tentariam não se sujeitar ao teto de despesas: https://bianchini.blog/2016/10/08/o-primeiro-teste-da-pec-241-as-corporacoes-publicas/

Sobre a “pior crise da história”

  1. Os números do Produto Interno Bruto (PIB)

Há cerca de um ano, escrevi neste Blog que as expectativas para a economia em 2016 eram ruins, medíocres na melhor das hipóteses[1]. Infelizmente, não conseguimos atingir um resultado medíocre. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB do Brasil caiu 3,59% em 2016, em linha com expectativas de mercado – em 06/01/2017, a mediana dos analistas consultados pelo Relatório Focus[2] esperava queda do PIB de 3,49%, 0,5% a menos que a expectativa no início de 2016[3]. Para 2017 se espera um crescimento de 0,49% do PIB[4], o que marcaria o fim da recessão, mas significaria o quarto ano consecutivo de queda no PIB per capita.

O que diferencia o atual período recessivo da economia brasileira é sua duração: o PIB trimestral vem se contraindo há 8 períodos consecutivos, resultando em queda do PIB de 7,2% entre 2015 e 2016, a recessão mais duradoura e profunda dos últimos 20 anos (Gráfico 1) e que tem contornos de depressão econômica.

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Fonte: IBGE

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), principal componente dos investimentos, caiu pelo terceiro ano consecutivo, acumulando queda de 25,9% entre 2014 e 2016 (Gráfico 2). Com isso, FBCF, que entre 2010 e 2013 foi maior que 20% do PIB, caiu para 16,4% do PIB em 2016, menor percentual dos últimos 20 anos.

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Fonte: IBGE

  1. A relação entre deflator do PIB e IPCA

Historicamente, a carga tributária tende a ser mais correlacionada com o deflator do PIB e as despesas públicas com o IPCA – os índices de preços aos consumidores são referência direta para a correção do salário mínimo, proventos previdenciários e, indiretamente, para reajustes do funcionalismo público. Ademais, após a promulgação da Emenda Constitucional 95/16, o IPCA passou a ser referência para o teto de despesas da União[5]. Portanto, um deflator do PIB maior que o IPCA contribui para um aumento no saldo primário.

Nos últimos 20 anos, o deflator do PIB só foi menor que o índice de Preços do Consumidor Amplo (IPCA) em 1999, 2000, 2002 e 2015, em geral anos de expressivas depreciações cambiais e correção de preços administrados. Em 2015, o deflator do PIB foi de 7,9%, contra IPCA de quase 10,7%, o que contribuiu para a deterioração do saldo primário naquele ano. Em 2016, o deflator do PIB foi de 8,3%, 2% a mais que o IPCA (Gráfico 3). Se o deflator do PIB continuar maior que o IPCA nos próximos anos, haverá uma contribuição positiva para a melhoria das contas públicas.

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Fonte: IBGE

  1. A crise atual em perspectiva histórica

Um aspecto implícito nas análises econômicas é que não basta que o PIB cresça, o PIB deve crescer mais que a população – se o crescimento do PIB for inferior ao crescimento da população, a economia se torna maior e ao mesmo tempo a população se torna mais pobre. Como no longo-prazo ocorrem mudanças demográficas, o PIB per capita é melhor que o PIB como indicador do ciclo econômico nas séries históricas mais longas. A população brasileira, que já chegou a crescer mais de 3% ao ano no final dos anos 50 e início dos anos 60, desde 2012 cresce menos de 1% ao ano. Um crescimento do PIB de 2%, que atualmente resulta em aumento do PIB per capita, representaria queda da renda per capita naquele período.

Entre 2014 e 2016, o PIB per capita caiu 9,1%. No final de 2016, o PIB per capita real era menor que o do final de 2010. A crise atual já é mais profunda que a crise de 29 (entre 1929 e 1931, o PIB per capita caiu 7,9%) e a crise acarretada pelo “confisco” do Plano Collor (entre 1990 e 1992, o PIB per capita caiu 7,7%), sendo superada em profundidade apenas pela crise da dívida externa, entre 1981 e 1983, quando o PIB per capita caiu 12,4% (Gráfico 4).

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Fonte: IBGE

Em perspectiva histórica, as duas primeiras décadas do século XX e os anos compreendidos entre 1981 e 2016 foram períodos de baixo dinamismo econômico: entre 1901 a 1919, o PIB per capita cresceu em média 0,9% ao ano, sendo esse crescimento concentrado na década de 10 (em 1910, o PIB per capita foi praticamente o mesmo de 1901) e, de 1981 a 2016, o crescimento da renda per capita tem sido ainda menor: 0,8% ao ano. Após a Primeira Guerra Mundial, o início do processo de industrialização impulsionou o crescimento econômico e, entre 1920 e 1931, a renda per capita aumentou em média 2,9% ao ano. O período mais dinâmico da economia brasileira ocorreu entre 1932 e 1980, quando houve deslocamento do eixo dinâmico da economia brasileira para o mercado interno e intenso processo de industrialização e urbanização. Neste período a economia brasileira foi uma das mais dinâmicas do mundo: a renda per capita avançou em média 4,1% ao ano, sendo multiplicada por 7[6]. Mesmo se considerarmos que as crises dos anos 80 e início dos anos 90 foram uma decorrência desse padrão de acumulação, entre 1933 e 1992 o PIB per capita avançou 3,2% ao ano. Desde a crise da dívida externa do início dos anos 80, o único período em que a economia brasileira teve crescimento econômico expressivo foi entre 2004 e 2013, quando o PIB per capita cresceu em média 2,9% ao ano. Como já ressaltamos neste Blog, períodos de queda na renda per capita tendem a estar associados a períodos de instabilidade política e queda de governos, como ocorreu em meados dos anos 60, 80, no início dos anos 90 e no ano passado.

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Fonte: IBGE

O Gráfico 6 apresenta a evolução da renda per capita em escola logarítmica – quanto mais inclinada a curva, maior o crescimento da renda per capita. Isso torna visualmente mais evidente a quebra estrutural a partir de 1981 e como o Plano Real e as políticas liberalizantes introduzidas a partir dos anos 90 não conseguiram recuperar as taxas de crescimento da economia brasileira.

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Fonte: IBGE

Planilhas com série histórica do PIB per capita: PIB histórico

[1] https://bianchini.blog/2016/01/14/expectativas-para-2016-ruim-mediocre-na-melhor-das-hipoteses/

[2] http://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/R20170106.pdf

[3] http://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/R20160108.pdf

[4] http://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/R20170303.pdf

[5] https://bianchini.blog/2016/10/15/o-novo-regime-fiscal-e-as-vinculacoes-de-despesas-com-saude-e-educacao/

[6] http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/29092003estatisticasecxxhtml.shtm

O Novo Regime Fiscal e as vinculações de despesas com saúde e educação

Introdução

 

No início desta semana, escrevi breves considerações sobre alguns argumentos distorcidos que vêm sendo usados para defender o Novo Regime Fiscal introduzido pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241: i. a falsa ideia que a alta recente na dívida pública decorreria principalmente de elevados déficits primários, ii. a omissão de que até 2013 o setor público brasileiro produzia elevados superávits primários, inclusive para padrões internacionais e iii. a desconsideração do fato que o desequilíbrio fiscal da União decorre principalmente da queda de receitas e não de aumento de despesas; iv. a ideia que o novo regime fiscal é a única alternativa tecnicamente factível[1].

Ainda assim, não se pode negar a existência de um grave desequilíbrio fiscal devido ao descompasso entre receitas e despesas primárias. O ajuste poderia ocorrer tanto por aumento de receitas, quanto por redução de despesas ou ainda por uma combinação de ambos. Entendo que o ideal seria um ajuste fiscal que combinasse alta nos tributos sobre renda e patrimônio com corte estrutural de despesas no longo-prazo, tal como proposto pelo ex-Ministro da Fazenda Nelson Barbosa. Mas este não foi o caminho escolhido pelos parlamentares, que se opõem a aumentos na carga tributária. Neste sentido, qualquer ajuste é preferível a nenhum ajuste.

  1. Evolução das receitas de despesas primárias nos últimos anos

Como se pode observar no Gráfico 1, a recente queda no saldo primário decorre da combinação de uma queda brutal nas receitas reais, resultado da recessão iniciada em 2014, com a continuação da tendência de aumento vegetativo das despesas reais. O aumento atípico das receitas e despesas primárias em 2010 se deve à operação de capitalização da Petrobrás.

A trajetória das receitas reais possui quatro fases: i. aumento expressivo entre 1997 e 2005 devido à grande elevação da carga tributária (+7,2% do PIB) e baixo crescimento econômico (2,6% a.a.); ii. aumento expressivo entre 2006 e 2011 devido ao alto crescimento econômico (4,4% a.a.) combinado com relativa estabilidade da carga tributária (-0,2% do PIB); iii. relativa estabilidade entre 2012 e 2013 devido ao baixo crescimento econômico (2,5% a.a.) combinado com redução da carga tributária (-0,7% do PIB); iv. queda expressiva entre 2014 e 2016 devido à forte recessão (cerca de -2,3% a.a.) combinada com estabilidade da carga tributária[2]. Já as despesas reais têm trajetória de crescimento vegetativo, com breves interrupções durante os ajustes fiscais de 1999, 2003 e 2015, anos de início de governo – segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, primeiro mandato de Lula e segundo mandato de Dilma Rousseff, respectivamente. No longo-prazo, a conta apenas fecha em momentos de alta na carga tributária (FHC) ou alto crescimento econômico (Lula).

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Fonte: STN

O Gráfico 2 apresenta a evolução das despesas primárias reais. É fácil observar que as despesas previdenciárias (linha azul) têm crescido automaticamente e não são afetadas pelos ajustes fiscais. Entre setembro de 2015 a agosto de 2016, as despesas previdenciárias representaram 39% da despesa primária da União. Isso decorre da combinação de aumento na expectativa de vida (quase 7 anos entre 1997 e 2015), sem que houvesse mudança significativa nos requisitos de idade e tempo de serviço para aposentadoria. As despesas com pessoal ativo e inativo da União (linha vermelha), que representam 20% das despesas primárias, tiveram aumento entre 2006 e 2011 e, desde então, encontram-se relativamente estáveis em termos reais. Outras despesas obrigatórias (linha laranja), como seguro desemprego, benefícios assistenciais, subsídios etc., assim como as despesas previdenciárias, apresentam crescimento vegetativo, mas ainda assim representam pouco mais da metade das despesas previdenciárias. O salto ocorrido em dezembro de 2015 se deve à quitação das chamadas “pedaladas” realizadas até 2014. A partir de dezembro deste ano, haverá melhora no saldo primário acumulado em 12 meses em decorrência da retirada da despesa extraordinária com quitação das pedaladas da base de cálculo. Por fim, os ajustes fiscais de 1999, 2003 e 2015 recaíram principalmente sobre as despesas primárias discricionárias (linha verde), como investimentos.

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Fonte: STN

Dado o peso e a trajetória das despesas previdenciárias, fica claro que, sem uma reforma da previdência que ajuste os critérios para a concessão de aposentadorias ao aumento da expectativa de vida, todo o peso do ajuste fiscal recairá sobre despesas discricionárias como investimentos.

 

  1. A PEC 241

A PEC 241 estipula que, por 20 anos, a partir de 2017, a despesa primária da União poderá ser no máximo igual à despesa do ano anterior corrigida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A combinação de contenção real das despesas tende a estabilizar a linha laranja do Gráfico 1. Quando a economia voltar a crescer, a receita real, representada pela linha azul do Gráfico 1, tende a aumentar e gradualmente os saldos primários da União aumentariam até se tornarem positivos.

A PEC 241 impõe limites de despesas reais separados de maneira individualizada para Poder Executivo, Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público da União (MPU) e Defensoria Pública da União (CF, art. 102). Adicionalmente, nos primeiros três anos da vigência do Novo Regime Fiscal, o Executivo pode compensar o estouro do teto por parte dos outros poderes por meio da redução do seu próprio resultado primário (art. 102, §7º). Essa medida visa a acomodar os aumentos escalonados já aprovados para as carreiras judiciárias, bem como mitigar a reação negativa das corporações públicas[3].Tecnicamente a medida é criticável, pois pressupõe que a atual divisão de recursos entre os poderes é adequada e dá prazo maior para que os Poderes Legislativo e Judiciário, bem como MPU e DPU, se adequem. Estudo publicado recentemente apontou que o Judiciário brasileiro custa percentual do PIB muito elevado em comparação com outros países[4]. Como as políticas públicas são executadas principalmente pelo Poder Executivo, do ponto de vista distributivo o ideal seria que o teto fosse mais brando com as despesas executadas pelo Poder Executivo e não o contrário.

O limite de despesas da PEC 241 não afeta os tributos transferidos da União para entes subnacionais em decorrência dos artigos 157 a 159 da Constituição (Fundos de participação de estados e municípios, IPI-Exportações, IOF-Ouro e parte do ITR para os municípios), as transferências da contribuição social do salário-educação (CF, art. 212, §6º), a distribuição royalties (art. 21, XIV) e o complemento do FUNDEB pela União (art. 60, V do ADCT), conforme disposto no art. 102, §6º, I. Com exceção da última rubrica, essas transferências não são despesas, mas deduções da receita da União. Mesmo que não estivessem explicitamente mencionadas no texto da PEC, tais transferências não poderiam ser afetadas pelo congelamento de despesas reais, pois afrontariam o pacto federativo. Há outras exceções: créditos extraordinários, despesas com Justiça Eleitoral (eleições são realizadas de 2 em 2 anos e não faz sentido que o teto seja em relação ao ano anterior, pois a despesa de anos ímpares é significativamente menor que a de anos pares), transferências obrigatórias derivadas de lei e despesas de aumento de capital de empresas não dependentes (a capitalização de estatais é uma despesa realizada esporadicamente e não faz sentido que entre no teto).

Para o poder ou órgão que extrapolar o limite individualizado de despesas, há uma série de restrições que operam de pleno direito (art. 104). Relativamente às despesas de pessoal, ficariam vedadas a concessão de vantagens e reajustes a servidores (I), a criação de cargos ou funções que impliquem aumento de despesas (II), a alteração de estruturas de carreiras que resultem em aumento de despesas (III), a realização de contratações (IV) e concursos públicos (IV), bem como a criação de auxílios (V). O poder ou órgão também fica proibido de criar despesa obrigatória (VI) ou aumentar as despesas obrigatórias já existentes acima da inflação (VII).

O aspecto mais controvertido da PEC é a suspensão das normas que estipulam aplicação de recursos mínimos para educação e saúde. Atualmente, a União é obrigada a gastar 18% da receita líquida de impostos com manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Na saúde, a aplicação mínima foi modificada pela Emenda Constitucional 86/15, a qual determinou que a União aplique 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) em ações e serviços públicos de saúde (ASPS). A EC 86/15 estabeleceu, no art. 86 do ADCT, um cronograma gradual de implementação dos gastos mínimos com ASPS, indo de 13,2% em 2016 a 15% em 2020 (Quadro 1).

Quadro 1: Mudança nas despesas mínimas com saúde e educação

Atual PEC 241 (ADCT, art. 105)
Manutenção e desenvolvimento de ensino (MDE) CF, art. 212 18% da Receita líquida de impostos Valor de 2017: 18% da Receita líquida de impostos; A partir de 2018: mínimo de 2017 corrigido pelo IPCA
Ações e serviços públicos de saúde (ASPS) CF, art. 198, §2º, I: 15% da RCL, com regra de transição (13,2% em 2016, 13,7% em 2017, 14,1% em 2018 e 14,5% em 2019) Valor de 2017: 15% da RCL; A partir de 2018: mínimo de 2017 corrigido pelo IPCA
  1. Sobre a possibilidade de remanejamento de recursos de outras áreas para saúde e educação

 

Um argumento comum entre os defensores da PEC 241 é que o congelamento de despesas reais, por ser individualizado para o Poder Executivo, não impede que as despesas reais de saúde e educação aumentem, pois que muda é a apenas aplicação mínima para saúde e educação. Embora seja formalmente verdadeiro, é improvável que isso ocorra, pois a maioria das despesas primárias, como previdência e funcionalismo, é rígida, havendo pouca margem para remanejamento do orçamento. Adicionalmente, nos primeiros anos é provável que o Poder Executivo seja forçado a absorver parte da extrapolação de teto de outros órgãos. Ademais, mesmo que a reforma da previdência seja realizada rapidamente, ela levará tempo para surtir efeito na trajetória das despesas. Desse modo, é provável que a redução das despesas mínimas com saúde e educação contribuam para o atingimento das metas fiscais. Não faria sentido suspender a atual sistemática de despesas mínimas com saúde e educação se isso não fosse necessário para o cumprimento do Novo Regime Fiscal.

 

  1. Efeitos da PEC 241

 

4.1 Efeito anticíclico inicial

 

Para 2017, o teto de despesas será corrigido em 7,2% em relação às despesas primárias de 2016 (art. 102, § 1º, II). No cenário de mercado do Relatório de Inflação do Banco Central, é esperado IPCA de 4,9% em 2017 e 4,6% em 2018[5]. Ou seja, caso as despesas atinjam o teto, uma hipótese bastante plausível dada a rigidez de despesas públicas, haveria incremento real de despesas de pouco mais de 2% em 2017 e 0,5% em 2018. Além disso, como atualmente o deflator do PIB se encontra abaixo do IPCA (em 2015 o IPCA foi de 10,7%, contra deflator do PIB de cerca de 8%), em 2017, a despesa primária crescerá tanto em termos reais, quanto como proporção do PIB. Para 2018 já se espera um crescimento do PIB maior que em 2017. Por essa razão, em 2018 as despesas teriam pequeno crescimento real, mas cairiam como proporção do PIB. É a partir de 2019 que as despesas tendem a ficar estáveis em termos reais e decrescentes como proporção do PIB.

Como visto no item 1, em anos de início de governo as despesas reais já tenderiam a cair, de modo que é a partir de 2020 que os efeitos do novo regime fiscal tendem a ser mais fortes. Entretanto, se a economia estiver em crescimento, a contração fiscal a partir de 2019 contrabalançaria a expansão fiscal de 2017-18, como deve ser uma política anticíclica.

4.2 Aumento da eficiência da política monetária e queda da taxa Selic

O teto de despesas de cada ano será corrigido pela inflação do ano anterior (art. 102, II). Por isso, nos anos em que houver queda na inflação, haverá aumento das despesas reais. Já nos anos em que a inflação aumentar, haverá queda nas despesas reais. Neste sentido, o teto de despesas irá tornar a política fiscal complementar à política monetária e, com isso, contribuir para aumentar a eficiência da política monetária e, no médio prazo, reduzir o patamar da taxa Selic, que atualmente se encontra tanto em termos nominais, quanto reais, no nível mais elevado em uma década.

4.3 Contenção do salário mínimo

Em 2015, as despesas primárias foram de R$ 1.159, sendo R$ 59,4 bilhões (5,1%) de MDE, R$ 100 bilhões (8,6%) de ASPS e R$ 479 bilhões (41,3%) de previdência e benefícios assistenciais (LOAS e BPC) que têm o salário mínimo como piso. Portanto, pelas ordens de grandeza envolvidas é fácil intuir que o salário mínimo tende a ser uma variável de ajuste essencial. Uma alternativa para que o salário mínimo não fosse tão afetado seria a desvincular o piso dos benefícios assistenciais e de esquemas subsidiados de aposentadoria (p. ex. rural, MEI) ao salário mínimo.

Devido à importância do salário mínimo como formador dos salários de base da economia, o novo regime fiscal pode afetar negativamente o rendimento da população de baixa renda e aumentar a concentração de renda. É importante lembrar que grande parte da melhora na distribuição de renda observada entre 2002 e 2014 decorreu do mercado de trabalho, com papel de destaque para a valorização real do salário mínimo[6]. Por outro lado, também deve ser reconhecido que, a partir de 2015, mesmo com a política de valorização do salário mínimo em vigor, a concentração de renda teve a primeira piora em mais de uma década[7].

 

4.4 Custeio da educação

 

4.4.1. Fontes de recursos e vinculações de despesas

 

As principais fontes de custeio da educação:

A) Destinação de pelo menos 25% das receitas líquidas de impostos dos estados, Distrito Federal (DF) e municípios e 18% da receita de impostos da União (CF, art. 212) com despesas de MDE. A receita líquida é a arrecadação de impostos de competência do próprio ente federativo acrescida das transferências de impostos recebidas e deduzida das transferências de impostos realizadas. A Constituição Federal (CF) estabelece as competências tributárias (arts. 153 a 156) e as transferências (arts 157 a 159). Os impostos transferidos a outros entes federativos são deduções à base de cálculo de MDE e as transferências de impostos recebidos integram a base de cálculo de MDE. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina aquilo que pode (art. 70) ou não (art. 71) ser considerado MDE para fins de atendimento do mínimo constitucional.

B) Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (FUNDEB), disciplinado no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), composto por 20% dos tributos de competência estadual (ICMS, IPVA e ITCMD), dos impostos de competência da União transferidos para entes subnacionais (exceto os repasses do IOF sobre ouro) e de complementação da União para assegurar um valor mínimo por aluno (inciso V). O FUNDEB é distribuído para cada ente federativo em função do número de alunos do ensino básico (creche, pré-escola, ensino fundamental e médio) e a complementação da União visa a assegurar um valor mínimo por aluno. Para entes federativos com menor arrecadação de impostos e/ou maior número de matrículas no ensino básico, os repasses do FUNDEB são maiores que as deduções. Todos os recursos do FUNDEB devem ser aplicados em educação básica, sendo no mínimo 60% destinado à remuneração de profissionais do magistério. O saldo líquido recebido (p. ex município de São Paulo) ou transferido (p. ex estado de São Paulo) para o FUNDEB deve ser somado/subtraído às despesas com MDE para comprovação do atendimento ao mínimo constitucional.

Deve-se notar que o FUNDEB não aumenta os recursos destinados à educação, mas apenas redistribui parte deles de maneira mais equitativa. Isso porque: i. FUNDEB é composto por 20% de alguns impostos que compõem a receita líquida de entes subnacionais que, por determinação constitucional, têm o dever de aplicar 25% dos impostos em MDE; ii. O FUNDEB é totalmente vinculado a despesas de MDE na educação básica; iii. a União usa sua contribuição própria ao FUNDEB para comprovar despesas com MDE.

C) Contribuição social do salário-educação, tributo competência exclusiva da União e transferido aos entes subnacionais em função do número de alunos da rede pública de ensino (CF, art. 212, §§s 5º e 6º).

D) 75% da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural (royalties do pré-sal), conforme a Lei 12.858/13, art. 2º.

E) Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), criado pela Lei 5.537/68, e que conta, entre outros, com recursos provenientes de loterias.

Cabe lembrar que a Emenda Constitucional 93/16, que prorroga a desvinculação de receitas (DR) para a União e a estende para municípios não se aplica aos mínimos constitucionais de saúde e educação, nem às receitas que pertencem aos entes subnacionais decorrentes de transferências previstas na CF, ou seja, a DR não afeta as fontes de custeio da educação e saúde, como chegou a ocorrer na época em que a DR da União se aplicava aos impostos.

Segundo a Receita Federal do Brasil (RFB), em 2015 a arrecadação de impostos de competência de estados e municípios foi de R$ 539,1 bilhões e segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a União transferiu R$ 167,2 bilhões para entes subnacionais (incluídas as deduções para o FUNDEB) e obteve receita líquida de impostos de R$ 258,6 bilhões[8]. Deduz-se, a partir de uma leitura sistemática da Constituição, que, em 2015, no mínimo R$ 223,1 bilhões da receita de impostos (3,8% do PIB) deveriam ser aplicados com MDE.

Quadro 2: Receitas de impostos e MDE (2015)

Arrecadação (R$ bi) Mínimo para MDE (%) Mínimo para MDE (R$ bi) %
Impostos dos estados 439,2 25% 109,8 49%
Impostos dos municípios 99,9 25% 25,0 11%
Impostos transferidos da União para entes subnacionais 167,2 25% 41,8 19%
Receita líquida de impostos da União 258,6 18% 46,5 21%
Total 964,9 N/A 223,1 100%

Fonte: Receita Federal do Brasil (RFB) para impostos de estados e municípios e Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

Também é importante se ter em mente que há diferenças conceituais entre MDE, função educação e despesas realizadas pelas secretarias de educação e pelo Ministério da Educação (MEC). Além disso, muitos estados e municípios determinam, em suas Constituições e Leis Orgânicas, despesas mínimas com educação superiores às do art. 212 da CF. É o caso, por exemplo, do município de do estado de São Paulo. Logo, o conceito de despesas com educação é polissêmico, e a PEC 241 altera apenas as despesas mínimas com MDE da União, que em 2015 representaram 19% das despesas mínimas com educação.

4.4.2. Os 10% do PIB para educação

A Meta 20 do Plano Nacional da Educação (PNE), aprovado pela Lei 13.005/14, é de “ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5o(quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.” Embora seja uma meta bem-intencionada, a meta do PNE é muito genérica e de implementação improvável. Ao contrário dos fundos vinculados à educação e das despesas de MDE, não há determinação de quais despesas podem ser consideradas investimento público em educação pública. Além disso, a meta do PNE é global, para o somatório de despesas da União, estados, DF e municípios, de modo que é impossível a responsabilização de administradores pelo não cumprimento da Meta 20. Por ser inexequível, ainda no primeiro governo da ex-presidenta Dilma, a área econômica era contraria à meta de 10% do PIB para educação[9].

4.4.3. Fontes de custeio da educação na União

Segundo o Tesouro Nacional, em 2015 a União arrecadou R$ 425,7 bilhões em impostos (A). Desse montante, R$ 167,2 bilhões foi transferido para entes subnacionais (B+C+D+E+F+G), resultando em uma receita líquida de impostos (H) de R$ 258,6 bilhões. Dos recursos transferidos, R$ 62,4 bilhões (100% do FUNDEB e pelo menos 25% das outras transferências de impostos) deverão ser dispendidos pelos entes subnacionais com MDE na educação básica. Da receita líquida de impostos, pelo menos R$ 46,5 bilhões (18%) devem ser aplicados pela União em MDE. Além das receitas de impostos, a União teve receitas de R$ 14,8 bilhões para aplicar diretamente e transferir para entes subnacionais aplicarem os recursos em educação.

Quadro 3: Fontes de custeio da educação da União

Fontes de custeio R$ Bilhões
A Receita de impostos                               425,7
(B) IOF Ouro                                  (0,0)
(C) FPM                                (61,1)
(D) FPE                                (68,4)
(E) IPI-Exportações                                  (3,9)
(F) ITR Municípios                                  (0,8)
(G) FUNDEB                                (32,9)
H = Receitas líquidas de impostos

(A-B-C-D-E-F-G)

                              258,6
Mínimo em MDE (18% de H)                                 46,5
Salário educação                                   4,2
Outros                                 10,6

Fonte: STN

A maioria das despesas com MDE da União é com ensino superior e ensino profissionalizante não integrado ao ensino regular, refletindo as competências atribuídas no art. 211 da CF (Gráfico 3). Em 2015, a União também complementou o FUNDEB com R$ 3,8 bilhões em 2015.

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Fonte: STN

Como se pode observar no Gráfico 4, desde 2001 a União aplica mais que o mínimo constitucional com MDE, que estão acima de 22% da receita líquida de impostos desde 2012 (23% acima do mínimo em 2016). Ademais, deve-se levar em conta o aumento real das despesas da ordem de 2% previsto para o próximo ano. Dessa forma, supondo congelamento das despesas reais da educação a partir de 2018, uma hipótese razoável, dada a rigidez à baixa das despesas em geral (boa parte das despesas com MDE é gasta com pessoal), é que só após um aumento real da receita líquida de impostos de cerca de 25% as despesas de MDE ficarão abaixo do mínimo constitucional atualmente vigente. Supondo um crescimento do PIB da ordem de 2,5%-3% ao ano a partir de 2018, isso irá ocorrer próximo do final dos dez primeiros anos da vigência do novo regime fiscal, quando os indexadores poderão ser revistos por lei ordinária. Também deve ser reconhecido que o novo regime fiscal preserva as transferências e a complementação para o FUNDEB, ou seja, o novo regime fiscal preserva a educação básica, de modo que o ajuste incide sobre o ensino profissionalizante e superior.

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Fonte: STN

 

O congelamento de despesas reais da educação terá como consequência limitar a expansão do ensino superior, algo socialmente e economicamente indesejável. Atualmente, o inciso IV do art. 206 da CF, que estipula “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais” impede que se cobre taxa de matrícula ou mensalidades em universidades públicas, conforme entendimento do STF insculpido na Súmula Vinculante 22. Durante a vigência do novo regime fiscal, uma alternativa para manter a expansão do ensino superior público seria uma emenda à Constituição que: i. mantivesse a gratuidade prevista no inciso IV do art. 206 para o ensino básico e, no ensino superior, apenas para alunos de baixa renda; ii. estipulasse que a arrecadação com as taxas de matrícula fosse destinada a um fundo especificamente destinado à expansão do ensino superior gratuito e não submetido ao novo regime fiscal.

 

4.5 Custeio da saúde

 

A Lei complementar 141/12 determina que, da receita líquida de impostos, os estados devem aplicar 12% (art. 6º) e os municípios 15% (art. 7º) em ASPS. A norma também define as despesas que podem (art. 3º) ou não (art. 4º) ser consideradas como ASPS. Até 2015, a despesa mínima com ASPS da União era a despesa do ano anterior acrescida da variação do PIB nominal. A EC 86/15 mudou a sistemática ao determinar que em 2016 a União aplicasse 13,2% da RCL em ASPS, aumentando progressivamente esse percentual até atingir 15% da RCL em 2020. Ironicamente, o aumento da vinculação de despesas a União com saúde foi um dos elementos da chamada pauta bomba, que visou a impedir o ajuste fiscal tentado por Dilma em seu segundo governo. Agora que o impeachment foi consolidado, a medida sobre nova modificação. No Gráfico 5 é possível visualizar a evolução das despesas da União com saúde em relação à RCL.

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Fonte: STN

Em 2014, os três níveis de governo gastaram R$ 216,2 bilhões com ASPS[10], sendo 43% desse montante realizada pela União. Neste sentido, a participação da União na saúde é mais importante que na educação básica. Como a PEC 241 irá revogar o art. 2º da Emenda Constitucional 86 e, com isso antecipar a aplicação mínima de 15% da RCL para 2017, o novo regime fiscal, comparativamente às normas vigentes, irá aumentar as despesas com saúde nos primeiros anos, para depois diminuí-las.

Devido ao fato do novo regime fiscal aumentar o valor base para despesa mínima com saúde, entendo que as restrições serão menos drásticas que aquelas previstas em estudo recente publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)[11], que além disso minimiza o efeito inicialmente anticíclico do novo regime fiscal (item 4.1) e desconsidera que o novo regime fiscal pode aumentar a perspectiva de crescimento do PIB ao melhorar as perspectivas de evolução do saldo primário e oferecer ambiente mais propício para a queda da dívida pública. Não adianta manter a vinculação das despesas de saúde às receitas se o PIB se mantiver em queda.

4.6 Maior ineficiência na gestão orçamentária

 

Na sistemática atual, há um incentivo muito ruim para gestores de orçamento público: cientes de que no início do ano haverá decreto de contingenciamento de despesas, o orçamento tende a ser superestimado. No primeiro semestre a restrição costuma ser mais forte e vai sendo relaxada ao longo do ano. No final do ano, os gestores que foram mais eficientes e não empenharam todas as despesas, tendem a ter o orçamento do ano seguinte reduzido. Por essa razão, quem não quer perder participação relativa no orçamento tende a perder recursos e poder) no ano seguinte. Com a PEC 241, o teto de despesas vai se transformar em meta de despesas e os gestores visarão a gastar todo o orçamento. Se não se antecipar a essa reação mais que esperada dos agentes, a PEC 241 vai exacerbar uma das maiores ineficiências da administração orçamentária no setor público.

  1. Duração do novo regime fiscal

Embora o teto de despesas da PEC 241 dure 20 anos, no 10º ano há possibilidade de revisão dos índices de correção. Como mencionado no item 1, nos 5 primeiros anos as despesas com saúde e MDE provavelmente continuariam acima dos mínimos legais atualmente vigentes. Se a partir de então o crescimento for baixo, o novo regime fiscal será um impeditivo menor que o desempenho ruim da arrecadação. Se a economia crescer muito e o superávit primário se tornar muito alto, é possível alterar o novo regime fiscal por meio de emenda constitucional – para uma Constituição que já sofreu 93 emendas, não é uma tarefa impossível. Tampouco se pode negar que, o novo regime fiscal provavelmente irá se tornar cláusula pétrea dos mercados e será preciso muito mais que vontade e apoio político para alterá-lo.

Conclusões

 

Embora boa parte do aumento da dívida pública que vem ocorrendo desde 2014 não tenha relação com os déficits primários acumulados, a situação fiscal é grave e demanda medidas duras. Ademais, ao contrário de um discurso frequente, foi a queda real de receitas, não aumento de despesas, a principal causa da transformação de superávits em déficits primários a partir de 2014. O Novo regime fiscal, a ser introduzido pela PEC 241, não é a única alternativa econômica para o ajuste, mas certamente é superior à não realização de ajuste. Embora seja juridicamente possível que a educação e as saúde sejam poupadas dos ajustes, é improvável que isso ocorra devido à rigidez de despesas, à necessidade de acomodar os aumentos escalonados concedidos ao Poder Judiciário, MPU e DPU e, mesmo que seja realizada uma reforma da previdência efetiva, as despesas previdenciárias continuarão crescendo em decorrência do envelhecimento da população brasileira, pressionando as demais despesas. Aliás, se não ocorrer uma reforma da previdência, o novo regime fiscal está condenado ao fracasso. Entre as principais consequências do novo regime fiscal, destaco: i. política fiscal anticíclica nos primeiros anos de vigência; ii. aumento da eficiência da política monetária – e maior probabilidade de queda da Selic – devido ao caráter anticíclico da política fiscal; iii. preservação das despesas com educação básica; iv. no início da próxima década, o novo regime fiscal provavelmente irá tornar as despesas com educação superior e saúde inferiores às que o ocorreriam na sistemática atual, gerando pressões pela cobrança de taxas de matrículas em universidades federais e contribuições sociais específicas para o custeio da saúde; v. devido à vinculação de despesas da previdência e assistência social ao salário mínimo, o novo regime fiscal será um incentivo para a limitação do salário mínimo e desvinculação de despesas assistenciais do salário mínimo; vi. maior ineficiência na administração orçamentária.

[1] https://bianchiniblog.wordpress.com/2016/10/10/argumentos-falaciosos-sobre-a-crise-fiscal-e-o-lobby-da-pec-241/

[2] Para dados da evolução e composição da carga tributária brasileira, vide https://bianchiniblog.wordpress.com/2016/09/26/521/

[3] https://bianchiniblog.wordpress.com/2016/10/08/o-primeiro-teste-da-pec-241-as-corporacoes-publicas/

[4] http://blogs.oglobo.globo.com/na-base-dos-dados/post/custo-relativo-ao-pib-do-judiciario-brasileiro-e-quatro-vezes-o-registrado-na-alemanha.html

[5] http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2016/09/ri201609c2p.pdf

[6] http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110804_comunicadoipea104.pdf e http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/comunicado/120925_comunicadodoipea155_v5.pdf

[7] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/08/1675170-brasil-vive-filme-dramatico-apos-decada-de-avancos-diz-marcelo-neri.shtml

[8] Há discrepância entre os dados da RFB e da STN devido a diferentes metodologias e contabilização de receitas, mas as ordens de grandeza são similares.

[9] http://www.valor.com.br/politica/2781766/governo-apresenta-recurso-contra-10-do-pib-para-educacao e http://veja.abril.com.br/educacao/projeto-que-destina-10-do-pib-a-educacao-vai-ao-senado/

[10] http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25627%3A2015-07-23-15-23-19&catid=3

[11] http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28589