Sobre o estudo do Banco Mundial que embasa a proposta de reforma administrativa do governo

Estudo do Banco Mundial constatou que o Brasil, apesar de ter número de servidores públicos “modesto”, tem gasto de pessoal “alto” porque a remuneração das carreiras públicas tende a ser maior que as carreiras privadas. Além da questão previdenciária, o estudo aponta a necessidade de rever: a) alto salário de entrada, b) a progressão muito rápida e c) o número excessivo de carreiras. Como servidor público de uma carreira relativamente privilegiada, concordo com essas conclusões: além de ser a favor da reforma da previdência que vai adiar minha aposentadoria em pelo menos 5 anos e reduzir meu salário líquido em quase 5%, reconheço que subimos rápido demais na carreira: com 37 anos, já tive todas as promoções e terei direito a apenas uma progressão, ou seja, passarei a maior parte da minha vida no topo da carreira. Economistas liberais e o governo têm usado o estudo de maneira bastante desonesta, dando a entender que o aumento na despesa com funcionalismo tem sido contínuo nos últimos anos:

  1. Como já publiquei no meu Blog, no governo Lula, a despesa com funcionalismo da União (ativos, inativos e pensionistas, civis e militares) caiu de 4,8% para 4,3% do PIB. A escolha do ano de 2008 para o início das séries não é aleatória: aquele foi o ano em que a despesa com funcionalismo atingiu o menor valor de todo o governo Lula;
  2. O governo Dilma (jan/11 a mar/16) foi rígido com funcionalismo e os dissídios da maioria das carreiras ficaram abaixo da inflação. Como a despesa com funcionalismo também depende da evolução funcional, de aposentadorias e de abertura de concursos, em todo seu governo, a despesa real com funcionalismo aumentou menos de 2%, diminuindo a despesa de pessoal para 4% do PIB;
  3. Economistas liberais e os que hoje estão no governo foram entusiastas defensores do impeachment insistem em ignorar os custos de oportunidade dessa escolha política: além da paralisia legislativa que contribuiu para agravar a crise econômica, a campanha de Temer à presidência teve de angariar apoio entre diversos grupos, como o funcionalismo federal. Em menos de 3 anos de governo Temer, diversas categorias foram agraciadas com reajustes muito acima da inflação e, mesmo quase sem realizar concursos, a despesa de pessoal aumentou 8% em seu governo, sem contar reajustes que passaram a valer neste ano;
  4. A reforma administrativa proposta pelo governo é para Executivo e o próprio estudo do Banco Mundial admite que: “A decomposição dos gastos federais com pessoal mostra que, apesar de os gastos totais serem estáveis, as despesas com pessoal do Poder Judiciário tiveram um crescimento expressivo”. Aliás, mesmo com o aumento do teto constitucional, as despesas com auxílio moradia continuam altas;
  5. Leio na imprensa que o governo estuda efetivar servidor depois dele ser trainee por dois anos. Alguém pode contar para o Ministro da Economia que o estágio probatório já existe e desde o governo FHC dura três anos.

Vocês querem reforma administrativa? Eu também quero, mesmo que individualmente ela me prejudique. Só que sou bem cético quanto a isso pelas seguintes razões: a) Economistas liberais, entusiastas do impeachment, precisam fazer autocrítica e admitir que tiraram um governo que estava fazendo ajuste fiscal e colocaram um governo que cumpriu promessa de conceder aumentos expressivos para funcionalismo; b) Sucessivas entrevistas do Ministro da Economia deixam claro que ele não conhece orçamento, administração pública e Direito Administrativo. Não tem como sair boa coisa com embasamento técnico tão ruim; c) Será que o governo eleito por causa da Lava Jato terá coragem de enfrentar os privilégios do Poder Judiciário em sentido amplo? Duvido. Polícia Federal e Militares, dois setores da burocracia muito próximos do presidente, passarão praticamente incólumes da reforma da previdência.

http://documents.worldbank.org/curated/en/449951570645821631/pdf/Gest%C3%A3o-de-Pessoas-e-Folha-de-Pagamentos-no-Setor-P%C3%BAblico-Brasileiro-o-Que-Os-Dados-Dizem.pdf

 

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Despesas com funcionalismo público no governo Temer

FHC impôs um arrocho ao funcionalismo, mas como a reforma da previdência do funcionalismo feita em seu governo foi muito tímida, a despesa com servidores públicos aumentou de 4,2% do PIB (1997) para 4,8% do PIB (2002). Diferentemente da memória seletiva das pessoas, governo Lula começou com arrocho ao funcionalismo e a reforma da previdência do funcionalismo mais importante que tivemos até hoje. Mesmo com os expressivos concursos públicos e aumentos de servidores do final da década passada, Lula terminou mandato gastando 4,3% do PIB com servidores ativos e inativos. Não nego que critico muito a política fiscal do primeiro governo Dilma, mas não houve propriamente uma gastança como gostam de dizer. Com funcionalismo foi o contrário: além de regulamentar FUNPRESP (que aumenta marginalmente o déficit no curto-prazo), tese pulso firme com funcionalismo, impondo de maneira truculenta acordos do tipo “pegar ou largar” com perdas reais para servidores. Do início do seu mandato até impeachment, a despesa com pessoal caiu para 4% do PIB. Temer é um caso bem curioso. Apesar do teto de despesas primárias, funcionalismo não tem muito do que reclamar: técnicos judiciários ganharam parte do aumento vetado por Dilma, carreiras de Estado tiveram aumentos escalonados em quatro anos, Receita Federal, Polícia Federal e carreiras jurídicas ganharam adicionais quase tão bons quanto auxílio moradia e houve acordão para manter auxílio moradia até que o judiciário ganhasse um aumento que vai repercutir em cascata em toda estrutura do funcionalismo dos três poderes e três níveis federativos. Mesmo a proposta de reforma da previdência tinha e ainda tem regras muito suaves para servidores que entraram no serviço público até 2003. Em julho de 2018, com pouco mais de dois anos de governo, a despesa com funcionalismo aumentou para 4,3% do PIB e vai aumentar mais com o reajuste do judiciário negociado para o ano que vem.

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Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e IBGE

Pedaladas fiscais e impeachment

A) O conceito de “pedaladas” fiscais

Um dos fundamentos para o pedido de impedimento da presidenta da República são as chamadas “pedaladas” fiscais, expedientes utilizados para inflar o resultado primário do setor público, facilitando o atingimento de metas fiscais, por meio do atraso de repasse de recursos do Tesouro Nacional (TN). Basicamente, as pedaladas dizem respeito a programas sociais (AI) e subsídios creditícios (AII).

AI) Pagamento de Bolsa Família, Abono Salarial e Seguro Desemprego pela Caixa Econômica Federal (CEF)

Como esses programas beneficiam milhões de pessoas, é impossível saber de antemão os valores que serão sacados a cada dia. Por essa razão, o TN transfere para a CEF uma estimativa de desembolsos. Se as transferências do TN forem superiores aos saques, a CEF remunera o TN pelos juros do saldo remanescente. Se as transferências do TN forem inferiores aos saques, o TN paga à CEF os juros incidentes sobre o saldo negativo. A existência de saldos negativos está prevista nos contratos firmados entre a União e a CEF. Para que as contas relativas a esses programas nunca fiquem negativas, seria necessário que o TN depositasse valores consideravelmente superiores à média de saques, o que tornaria a gestão de caixa do TN ineficiente. Por essa razão, o TN deve cobrir eventuais saldos negativos e avaliar a necessidade de aumentar os valores depositados nos meses seguintes. Em situações normais, valores negativos assemelham-se às despesas liquidadas e não pagas, o que é admitido pela Lei 4.320/64.

Em excelente análise sobre o assunto, Sérgio Spagnuolo e Tai Nalon[1] demonstram que, nos 204 meses compreendidos entre 1994 e 2010, houve saldo negativo em 8 (3,9%), com os três presidentes que antecederam Dilma Rousseff. Já no primeiro governo Dilma, os saldos negativos não apenas foram mais frequentes, mas também maiores: entre julho de 2013 e setembro de 2014, apenas em janeiro de 2014 não houve saldo negativo. Adicionalmente, todos os meses em que o saldo negativo conjunto ultrapassou a marca de R$ 0,5 bilhão estão compreendidos neste período.

Entendo que essa é a questão central: saldos negativos não necessariamente configuram pedaladas, mas saldos negativos sistemáticos, elevados e que poderiam ser previstos de antemão certamente são irregulares. A partir de um certo ponto, o que é lícito e previsto em contrato pode tornar-se uma operação de crédito entre a União e um banco por ela controlado, o que seria vedado pelo art. 34, caput da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)[2]. Por essa razão, discordo tanto daqueles que rejeitam de antemão a qualificação de saldos negativos com operações de crédito[3], quanto de quem defende a ideia que todo saldo negativo seria uma operação de crédito.

De janeiro a outubro de 2015, Sérgio Spagnuolo e Tai Nalon identificaram saldo negativo apenas em março (R$ 12,2 milhões), acarretado por insuficiência na conta do seguro desemprego (R$ 44,5 milhões) não compensada por saldos positivos nas contas do bolsa família e abono salarial. O saldo negativo, além de relativamente baixo, não ocorreu nos meses seguintes. Adicionalmente, no primeiro semestre de 2015 houve expressivo aumento do desemprego, que superou as expectativas de mercado[4]. Certamente isso resultou em despesas com seguro desemprego acima do esperado.

Em suma, no que diz respeito às pedaladas do tipo AI, não tenho dúvidas de que as irregularidades ocorreram em 2013 e 2014, mas refuto as acusações de que este tipo de pedalada teria ocorrido em 2015. Cabe ressaltar que, a partir do Decreto 8.535/2015, em contratos firmados entre a União e instituições financeiras, estão vedadas cláusulas que permitam insuficiência financeira por mais de 5 dias úteis, o que tem efeito prático de criar um conceito objetivo para “pedaladas”. Trata-se simultaneamente de uma confissão que as pedaladas existiram e uma positivação do limite a partir do qual saldos negativos tornam-se operações de crédito.

AII) Compensações devidas pelo TN por subsídios concedidos por meio do Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Os principais programas deste tipo são subsídios creditícios para produtores rurais (BB), Programa de Sustentação ao Investimento (PSI) operacionalizado pelo BNDES e Minha Casa, Minha Vida (FGTS). O crescimento dos subsídios creditícios foi um dos meios pelos quais se procurou estimular a economia desde a crise financeira de 2008. Neste caso, a concessão de crédito se dá com recursos do BB, BNDES e FGTS a taxas subsidiadas pelo Tesouro Nacional, que cobre a diferença entre o custo de captação dos recursos e a taxa de concessão do crédito. Como antes da crise de 2008 esses subsídios não tinham grande relevância, isso não atraía maior atenção. A divergência entre governo e Tribunal de Contas da União dizia respeito à forma de contabilização desses recursos e prazo para o Tesouro Nacional compensar o BB, BNDES e FGTS pelos subsídios.

No caso das operações com recursos do FGTS para o programa Minha Casa, Minha Vida, o TCU adotou o entendimento do Conselho Curador do FGTS, de que tais operações seriam operações de crédito e que, de acordo com o art. 3º da Lei 4.320/64, deveriam constar do orçamento. No caso do crédito subsidiado ofertado pelo BNDES, sucessivas portarias do Ministério da Fazenda adiaram o pagamento da compensação devida pelo TN. O TCU entendeu que a União se utilizou do poder de ente controlador para obrigar o BNDES a aceitar a postergação do pagamento das compensações devidas e que isso violaria o disposto no art. 36 da LRF. Portanto, não se entra no mérito se tais intervenções foram boas ou ruins, mas se violaram dispositivos legais.

B) Quantificando as pedaladas fiscais

Embora sejam mais conhecidas, as “pedaladas” do tipo AI possuem valor significativamente inferior que as do tipo AII. Além de supostas ilegalidades encontradas pelo TCU, as “pedaladas” são um meio de se ocultar passivos do governo central e maquiar metas fiscais, apresentando superávit primário maior que o efetivamente realizado. Cumprindo determinação do Acórdão TCU nº 3.297/2015, de 9.12.2015, o Banco Central do Brasil (BCB) publicou dados que permitem estimar o efeito das pedaladas sobre a dívida e o déficit público[5] e avaliar até quando essa prática ocorreu.

Com relação ao impacto na dívida pública, cabe mencionar que nem todo passivo do setor público é computado na dívida pública divulgada mensalmente pelo BCB. Entre os passivos desconsiderados pelo BCB, cabe destacar: precatórios vencidos e não pagos, despesas liquidadas e não pagas e restos a pagar de exercícios anteriores[6]. Como se observa no Gráfico 1, entre 2002 e meados de 2010, os passivos referentes a programas sociais e subsídios não chegavam a 0,2% do PIB. A pouca relevância justificava a não inclusão na dívida pública. O estoque cresceu continuamente de 2008 a 2014, chegando perto de R$ 60 bilhões e 1% do PIB, e, após regularização, o estoque ficou nulo no final de 2015[7]. Embora seja uma prática contábil reprovável, a quitação das pedaladas não explica 10% do aumento da dívida pública ocorrido em 2015, que aumentou de 57,2% do PIB em 2014 para 66,5% do PIB em 2015.

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Fonte: BCB

O efeito mais grave das pedaladas foi inflar os resultados primários do setor público, maquiando o cumprimento de metas fiscais. Além de contrariar os objetivos da LRF e da Lei 4.320/64, a imprecisão de estatísticas fiscais prejudica a realização da política monetária, pois uma política fiscal expansiva pode ser vista como neutra ou até restritiva. Como se pode observar no Gráfico 2, até 2012 as pedaladas foram relativamente pequenas em relação ao saldo primário e, em quatro anos (2002, 2004, 2005 e 2006), o resultado primário foi maior que o divulgado. Por outro lado, em 2013 e 2014, observa-se aumento da importância relativa das pedaladas no saldo primário (0,28% e 0,22% do PIB, respectivamente). Em 2015 ocorreu movimento oposto: 41% do déficit primário do ano passado se deve à quitação das pedaladas de anos anteriores.

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Fonte: BCB

C) Sobre o parecer prévio do TCU pela rejeição das contas de 2014

Conforme demonstrado nos Gráficos 1 e 2, é verdade que práticas análogas às pedaladas ocorreram antes do governo Dilma Rousseff, mas essas irregularidades adquiriram proporções significativas em 2013 e 2014. Ao avaliar as contas do executivo de 2013, o TCU não fez recomendações relativas aos saldos negativos de programas sociais (AI) e, no que diz respeito aos créditos concedidos pelo BNDES com subsídios do Tesouro Nacional, o TCU limitou a recomendar maior transparência, proferindo parecer pela aprovação das contas com ressalvas[8]. Posteriormente, o Congresso Nacional aprovou as contas de 2013. Por outro lado, em decorrência das pedaladas e de outras ressalvas, o plenário do TCU recomendou, no início de 2015, a rejeição das contas do executivo de 2014[9]. Cabe ressaltar que as contas de 2014 ainda não foram julgadas pelo Congresso Nacional.

Não é um problema que o TCU mude sua jurisprudência ao longo do tempo – isso acontece a todo momento nos tribunais brasileiros. Em um país com o histórico brasileiro de descontrole fiscal, é salutar maior rigor das Cortes de Contas. Como se pode observar no Gráfico 3 (e no Gráfico 2), o volume de pedaladas de 2013 foi maior que o de 2014 e mesmo assim o TCU recomendou a aprovação das contas de 2013. Qual o fundamento da mudança na jurisprudência do TCU?  O segundo ano consecutivo de pedaladas em valor elevado? Seria o fato do volume de recursos devido pelo Tesouro ultrapassar um determinado patamar? Seria o conjunto das pedaladas com outras irregularidades? O TCU não deixou isso claro. Isso não passou despercebido por Marcelo Neves[10] e Ricardo Lodi Ribeiro[11], que chamam atenção para a falta de fundamentação da mudança de jurisprudência por parte do TCU. Ambos ressaltam que a virada jurisprudencial da Corte de Contas deveria produzir efeitos apenas a partir de 2015.

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Fonte: BCB

D) Impeachment e pedaladas fiscais

Embora eu entenda que pedaladas fiscais podem caracterizar crime de responsabilidade e que é possível impeachment em decorrência de condutas do mandato anterior[12]o presidente da mesa da Câmara dos Deputados acatou o pedido de impeachment apenas com relação a supostas irregularidades ocorridas em 2015. Ocorre que em 2015 não só não houve pedaladas, como os passivos de anos anteriores foram quitados (Gráficos 1 e 2). Mesmo se o critério utilizado por o acúmulo de passivos ao longo do ano, o estoque máximo de passivos não pagos não chega aos picos atingidos entre 2010 e 2014 (Gráfico 3). Portanto, não procede a acusação de que houve pedaladas em 2015. Embora o impeachment seja um julgamento essencialmente político, a fundamentação com base nas supostas pedaladas de 2015 é frágil.

NOTA

Após discutir sobre o texto com algumas pessoas, sinto a necessidade de esclarecer que para mim: 1. As pedaladas podem fundamentar pedido de impeachment, mas não nos termos atuais. Como entendo que as pedaladas ocorreram em 2013 e 2014, o impeachment por causa das pedaladas deve partir do pressuposto que é possível impeachment por atos da presidência em mandato anterior. Isso envolve um risco, pois diversos juristas entendem que o atos do mandato anterior não podem fundamentar impeachment. Na prática, é isso que o pedido de impeachment atual está fazendo; 2. A melhor saída seria que as pedaladas fundamentassem as ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por meio das pedaladas, Dilma e Temer ocultaram a precariedade das contas públicas em 2014. Já em 2014 sabia-se das pedaladas e Temer não manifestou discordâncias quanto à prática. O TSE deveria decidir se isso é suficiente para impugnar as eleições de 2014. Evidentemente, há o risco de efeito em cascata com governadores que também pedalaram, o que envolveria alguma análise de proporcionalidade e modulação de efeitos. O precedente também seria positivo, sinalizando que mascarar resultados fiscais em anos de eleições pode resultar em algo inócuo. Finalmente: 3. Independentemente de 1 e 2, cabe ao TCU aplicar sanções administrativas aos administradores responsáveis pelas pedaladas.

NOTA 2

Como no texto afirmo que as pedaladas com a CEF são significativamente menores que as demais, atualizei o Gráfico 1 por uma versão que detalha o saldo das pedaladas por credor. Também inseri uma nota de rodapé esclarecendo que há uma diferença de contabilização entre o BCB e o TN e que, por essa razão, no demonstrativo do BCB ainda havia um saldo remanescente no final de 2015.

[1]https://medium.com/aos-fatos/dilma-pedalou-35-vezes-mais-que-lula-e-fhc-juntos-aee888dd1880#.dmspmxwzc

[2] Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

[3] http://s.conjur.com.br/dl/parecer-ricardo-lodi-impeachment-dilma.pdf

[4] https://bianchiniblog.wordpress.com/2016/02/25/taxa-de-desemprego-e-menor-que-a-esperada-pelo-terceiro-mes-consecutivo/

[5] http://www.bcb.gov.br/htms/notecon3-p.asp

[6] http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/finpub/cap5p.pdf

[7] O Tesouro Nacional quitou todo o saldo de pedaladas em dezembro de 2015, mas, em decorrência de diferentes conceitos de contabilização, o BCB registrou um saldo remanescente no final de 2015, que foi zerado em janeiro de 2016.

[8] (Recomendação à) Secretaria de Política Econômica e Secretaria do Tesouro Nacional. Elaborem e apresentem, no prazo de 90 dias, as projeções anuais, para este e os próximos três exercícios (2014 a 2017), dos valores correspondentes aos benefícios financeiros e creditícios decorrentes das operações de crédito concedidas pela União ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a partir de 2008, incluindo as respectivas despesas financeiras relativas aos juros e demais encargos decorrentes da captação de recursos pelo Tesouro Nacional, em cumprimento aos itens 9.1.5 e 9.1.6 do Acórdão 3.071/2012-TCU-Plenário, medida que visa a dar maior transparência às ações de governo e contribuir para que a sociedade possa conhecer e avaliar o custo das operações realizadas; http://portal.tcu.gov.br/tcu/paginas/contas_governo/contas_2013/index.html

[9] http://portal.tcu.gov.br/tcu/paginas/contas_governo/contas_2014/index.html

[10] https://cloudup.com/ig-cUkufb7N

[11] http://s.conjur.com.br/dl/parecer-ricardo-lodi-impeachment-dilma.pdf

[12] http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1672125-presidente-reeleito-pode-sofrer-impeachment-por-ato-realizado-em-mandato-anterior-sim.shtml

Sobre a manifestação de 18/3/2016: outra vez, mais do mesmo!

Na última sexta-feira, 18/3/2016, 95 mil pessoas foram para a Avenida Paulista protestar contra o impeachment, de acordo com o Datafolha. Há pouco mais de um ano, em 13/3/2015, 40.800 pessoas manifestaram apoio à presidenta Dilma na Avenida Paulista. Coincidentemente, os atos contrários e favoráveis ao governo aumentaram praticamente na mesma proporção de 2015 para 2016 (Quadro 1):

Número de manifestantes nos atos de março de 2015 e março de 2016

  Mar/2015 (A) Mar/2016 (B) B/A
Pró governo            40.800            95.000 2,33
Anti governo          210.000          500.000 2,38

Embora tenham crescido na mesma proporção, a superioridade numérica dos atos contrários ao impeachment é inequívoca. Entre os fatores explicativos, cabe citar:

  1. Os atos contrários ao governo foram amplamente divulgados com razoável antecedência, ao passo que os atos favoráveis ao governo vieram a reboque, como mera reação aos atos contrários ao governo;
  2. Os atos favoráveis ao governo ocorreram em sextas-feiras, enquanto os atos contrários foram aos domingos. Trata-se de tentativa dos apoiadores do governo de evitar comparação direta entre os atos e minimizar a inferioridade numérica dos atos pró governo;
  3. Desde 2013, as pesquisas de opinião captam vontade de mudança entre os brasileiros, o que se intensificou com agravamento da crise econômica e política, o que favorece quem representa oposição ao governo;
  4. Há grande rejeição ao governo Dilma;
  5. Os números são de São Paulo, o segundo estado onde Dilma teve menor votação proporcional.

Os perfis de gênero e escolaridade dos atos contrários e favoráveis ao governo são idênticos: os homens foram 57% dos presentes, enquanto a proporção e homens no município de São Paulo é 47%. A perfil de escolaridade também é estatisticamente idêntico: no ato favorável ao governo, 78% possuía ensino superior e 4% possuíam ensino fundamental, contra 77% e 5% no ato de 13/3/2016.

Embora o ato pró-governo esteja mais próximo do perfil de renda da média da população, tanto o ato de 13/3/2016, quanto o ato de 18/3/2016 são mais elitizados que a média de renda das famílias paulistanas: as famílias com renda de até 3 salários mínimos representavam 14% dos presentes na manifestação contrárias ao governo de 21% na última sexta-feira, enquanto no município de São Paulo esse segmento representa quase metade da população (Gráfico 1):

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O fato do ato favorável ao governo ter o mesmo perfil de escolaridade, mas renda média menor que o ato contrário ao governo provavelmente se deve à presença de profissões de menor remuneração entre as ocupações que exigem ensino superior, como magistério da rede pública de educação básica. Isso também ajuda a explicar o maior percentual de servidores públicos no ato da última sexta-feira (15%, contra 5% no ato de 13/3/2016). A idade média de quem esteve na Avenida Paulista em 18/3/2016, 38,9 anos, é significativamente menor que a do ato de 13/3/2016, 45,5 anos. Em grande medida, devido à participação de entidades estudantis no dia 18.

No ato de sexta-feira, apenas 14% consideram o governo Dilma ruim ou péssimo, contra 98% no dia 13/3/2016. Lula teria sido o melhor presidente do Brasil para 88% dos presentes no dia 18, enquanto 60% dos presentes no dia 13 preferem Fernando Henrique Cardoso. Portanto, enquanto o grupo do dia 18 reflete uma clara preferência pelo legado dos governos petistas, o grupo do dia 13 define-se mais pelo antipetismo que pelo apoio a um grupo político específico, aspecto corroborado pela queda na preferência pelo PSDB nos atos favoráveis ao impeachmet, de 37% para 21% dos entrevistados. Essa maior heterogeneidade dos defensores do impeachment evidencia maior eficiência em angariar adeptos, ao mesmo tempo em que indica possíveis dificuldades que um eventual governo Temer teria.

O fato das manifestações realizada na Avenida Paulista terem perfil mais elitizado que a média da população é uma má notícia para o governo Dilma, pois deixa claro que quem a elegeu em 2014 não foi às ruas. Um indicador disso é que no Nordeste, região em que Dilma obteve vitória expressiva em 2014, houve relativo equilíbrio entre os atos favoráveis e contrários ao governo. Entretanto, o fato das manifestações apenas terem replicado 2015 em escala ampliada não significa que a correlação de forças tenha se mantido: segundo o Datafolha, no último mês o apoio ao impeachment aumentou de 60% para 68% dos eleitores, enquanto os eleitores contrários ao impeachment caíram para 27%[1]. Como os perfis dos manifestantes de 2016 não diferem significativamente de 2015, é provável que essa deterioração do apoio ao governo tenha sido causada pelas recentes investidas contra o ex-presidente Lula e pelo imbróglio de sua nomeação como Ministro da Casa Civil. Sem dúvidas, no último mês aumentou a probabilidade de efetivação do impeachment.

Em um aspecto há convergência entre quem protestou nos dias 13 e 18 de março: nos dois atos, 96% são favoráveis à cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que já é réu no âmbito da operação Lava Jato[2]. Apesar disso, o processo de cassação do deputado segue lento[3]. Deixo a interpretação disso para quem chegou até o final do texto.

[1]http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1751950-apoio-a-impeachment-de-dilma-cresce-e-chega-a-68-diz-datafolha.shtml

[2]http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2016/03/maioria-do-supremo-aceita-denuncia-contra-eduardo-cunha-na-lava-jato.html

[3]http://oglobo.globo.com/brasil/processo-de-cunha-bate-recorde-de-lentidao-no-conselho-de-etica-18718112

Comparação das pesquisas sobre manifestações

Após as manifestações da Avenida Paulista, há uma disputa de fotos e memes. Os críticos dos protestos enfatizam o elevado perfil socioeconômico e alguns cartazes mais radicais. Já quem defende o ato do último domingo argumenta que não seria possível encher a Avenida Paulista apenas com representantes da elite, o que seria evidenciado por exemplos de pessoas negras e/ou pobres que participaram do evento. Embora eu reconheça que algumas imagens são divertidas e outras sintetizam algumas relações sociais brasileiras, a guerra de imagens carece de representatividade estatística e pode nos tornar auto-referenciais.

Dentre todas as análises realizadas, escolhi comparar as pesquisas do Datafolha de 15/03/2015[1] e 13/03/2016[2] para as manifestações de São Paulo. Utilizo o Datafolha por duas razões: i. Até o momento, é o único instituto que divulgou pesquisas de perfis de manifestantes nos dois protestos; ii. Em que pese as críticas, ao longo dos anos o Datafolha é o instituto que mais tem se aproximado do resultado das eleições – na véspera do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, a pesquisa Datafolha apontava vitória da Dilma por 52%, enquanto Dilma foi eleita por 51,64% dos votos. A seguir, os principais aspectos das pesquisas:

  1. O primeiro elemento a se destacar é que a manifestação deste ano teve 500 mil pessoas, contra 210 mil no ano passado, algo que certamente pesará nesta etapa de deliberação acerca do impeachment;
  2. Apesar da proporção de homens ter caído de 63% para 57%, a proporção de homens nas manifestações é significativamente superior aos 47% da população paulistana;
  3. A idade média aumentou de 39,6 para 45,5 anos, o que pode indicar maior conservadorismo dos participantes;
  4. A escolaridade dos manifestantes é estatisticamente a mesma nos protestos de 2015 e 2016. Nada menos que 77% tinha ensino superior, contra 28% dos paulistanos. No outro extremo, apenas 4% possuía apenas ensino fundamental, contra 28% na população (Gráfico 1);    image001
  5. Em 2016, o número absoluto de pretos e pardos (95 mil) praticamente dobrou em relação ao ano anterior, mas o número absoluto de brancos aumentou ainda mais. Com isso, a manifestação de 2016 teve maior proporção de brancos (77%) que a do ano passado (69%), valor significativamente maior que a proporção de brancos do município de São Paulo (48%);
  6. O perfil de renda dos participantes praticamente não se alterou de 2015 para 2016: o único segmento com variação estatisticamente significativa na participação foi o com renda de 20 a 50 salários mínimos, cuja participação caiu de 16% para 11%. É possível que isso decorra da combinação de valorização real do salário mínimo e queda na renda real. Como se pode observar no Gráfico 2, embora quem ganhe até 3 salários mínimos represente 48% da população, eles foram apenas 14% dos manifestantes; no outro extremo, 37% dos participantes da manifestação de 13/3 aufere renda superior a 10 salários mínimos, mais que o quádruplo da proporção da população que obtém essa renda na cidade de São Paulo (Gráfico 2);

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  1. Apenas 3% dos manifestantes afirmou ter votado em Dilma, contra 79% que disseram ter votado em Aécio Neves, praticamente o mesmo percentual (82%) da manifestação de 15/03/2015;

Portanto, embora significativamente maior que as manifestações de 2015, o protesto de 13/03/2016 não é uma amostra representativa do eleitorado brasileiro, o que evidentemente não a torna menos legítima. As únicas alterações relevantes foram o aumento da proporção de brancos e da idade dos manifestantes. O aumento quantitativo é um indício que o topo da pirâmide social tem se tornado ainda mais avesso ao governo Dilma. A grande maioria dos eleitores de Dilma não estavam na Avenida Paulista em 13/03/2016.

Isso não significa, entretanto, que a situação da presidenta Dilma seja confortável. Na última pesquisa Datafolha sobre o assunto, de 24 e 25/02/2016, 60% dos brasileiros se disseram favoráveis ao afastamento da presidenta Dilma e 64% o consideram ruim ou péssimo, percentual estatisticamente igual à pesquisa realizada em abril do ano passado[3]. Embora o Nordeste seja a região onde a avaliação negativa de Dilma seja menor, 51% dos nordestinos avaliam a presidenta como ruim ou péssima. O perfil regional da avaliação da presidenta Dilma está intimamente relacionado à evolução das economias regionais: no centro-sul do Brasil, a recessão já vem ocorrendo desde 2014, enquanto no Norte e Nordeste a recessão começou em 2015[4]. Em outras palavras, o grande risco para a presidenta Dilma não foi o protesto gigantesco em São Paulo, mas a manutenção de má avaliação decorrente do aprofundamento da recessão em regiões com concentração dos eleitores petistas. Se eu pudesse sintetizar em uma frase minha impressão, diria que cresceu a probabilidade de impeachment de Dilma porque aumentou a disposição de quem se opõe a ela, ao passo que quem votou nela em 2014 se encontra desencantado com o governo e não parece disposto a defendê-lo.

Sinais de alerta

Embora o perfil socioeconômico dos manifestantes não tenha variado significativamente entre 2015 e 2016, há dois sinais muito preocupantes. O primeiro é captado na pesquisa Datafolha: em 15/03/2015, 37% dos manifestantes afirmavam preferir o PSDB, contra 21% na manifestação do último domingo. Isso significa dizer que o aumento no número de manifestantes do ano passado para 2016 foi composto majoritariamente por pessoas sem preferência partidária. Certamente reflete os escândalos de corrupção que atingem os políticos tradicionais. Isso ajuda a explicar as vaias a Geraldo Alckmin, Aécio Neves (PSDB) e Marta (PMDB). Sou bastante pessimista quanto a isso. Há quem veja nessa aversão aos políticos tradicionais a possibilidade do surgimento de novas lideranças de perfil mais conciliador e não associadas às denúncias de corrupção, como Marina Silva. Parece-me, entretanto, que seguiremos o caminho da Itália após a Operação Mãos Limpas, no qual o eleitorado tenderá a apoiar candidatos com discursos mais radicais e pessoas já expostas pela mídia. Geraldo Alckmin (PSDB) parece ter captado essa mudança no perfil do eleitorado ao apoiar a candidatura de João Dória Jr. à prefeitura de São Paulo.

A aversão aos políticos tradicionais é acompanhada por um aspecto assustador: em pesquisa realizada nas manifestações de março e abril de 2015 em São Paulo, o cientista Político Jairo Pimentel constatou que pouco mais de um terço era favorável a uma intervenção militar[5], praticamente o mesmo percentual apurado pelo Instituto Paraná em 13/03/2016[6]. A combinação de aversão à política tradicional, recessão e pouco apreço à democracia é muito perigosa e deve ser acompanhada de perto.

[1] http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2015/03/17/manifestacao-15-03.pdf

[2] http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2016/03/14/manifestacao_13_03_2016.pdf

[3] http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2016/02/29/avaliacao_dilma_rousseff.pdf e http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2015/04/13/avaliacao_governo_dilma.pdf

[4] http://www.bcb.gov.br/pec/boletimregional/port/2016/01/br201601P.pdf

[5]http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/4-Dossie-Abril-2014-Jairo-Pimentel1.pdf

[6] http://www.oantagonista.com/posts/pesquisa-na-paulista-13-milicos-nunca-mais