Comparação das pesquisas sobre manifestações

Após as manifestações da Avenida Paulista, há uma disputa de fotos e memes. Os críticos dos protestos enfatizam o elevado perfil socioeconômico e alguns cartazes mais radicais. Já quem defende o ato do último domingo argumenta que não seria possível encher a Avenida Paulista apenas com representantes da elite, o que seria evidenciado por exemplos de pessoas negras e/ou pobres que participaram do evento. Embora eu reconheça que algumas imagens são divertidas e outras sintetizam algumas relações sociais brasileiras, a guerra de imagens carece de representatividade estatística e pode nos tornar auto-referenciais.

Dentre todas as análises realizadas, escolhi comparar as pesquisas do Datafolha de 15/03/2015[1] e 13/03/2016[2] para as manifestações de São Paulo. Utilizo o Datafolha por duas razões: i. Até o momento, é o único instituto que divulgou pesquisas de perfis de manifestantes nos dois protestos; ii. Em que pese as críticas, ao longo dos anos o Datafolha é o instituto que mais tem se aproximado do resultado das eleições – na véspera do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, a pesquisa Datafolha apontava vitória da Dilma por 52%, enquanto Dilma foi eleita por 51,64% dos votos. A seguir, os principais aspectos das pesquisas:

  1. O primeiro elemento a se destacar é que a manifestação deste ano teve 500 mil pessoas, contra 210 mil no ano passado, algo que certamente pesará nesta etapa de deliberação acerca do impeachment;
  2. Apesar da proporção de homens ter caído de 63% para 57%, a proporção de homens nas manifestações é significativamente superior aos 47% da população paulistana;
  3. A idade média aumentou de 39,6 para 45,5 anos, o que pode indicar maior conservadorismo dos participantes;
  4. A escolaridade dos manifestantes é estatisticamente a mesma nos protestos de 2015 e 2016. Nada menos que 77% tinha ensino superior, contra 28% dos paulistanos. No outro extremo, apenas 4% possuía apenas ensino fundamental, contra 28% na população (Gráfico 1);    image001
  5. Em 2016, o número absoluto de pretos e pardos (95 mil) praticamente dobrou em relação ao ano anterior, mas o número absoluto de brancos aumentou ainda mais. Com isso, a manifestação de 2016 teve maior proporção de brancos (77%) que a do ano passado (69%), valor significativamente maior que a proporção de brancos do município de São Paulo (48%);
  6. O perfil de renda dos participantes praticamente não se alterou de 2015 para 2016: o único segmento com variação estatisticamente significativa na participação foi o com renda de 20 a 50 salários mínimos, cuja participação caiu de 16% para 11%. É possível que isso decorra da combinação de valorização real do salário mínimo e queda na renda real. Como se pode observar no Gráfico 2, embora quem ganhe até 3 salários mínimos represente 48% da população, eles foram apenas 14% dos manifestantes; no outro extremo, 37% dos participantes da manifestação de 13/3 aufere renda superior a 10 salários mínimos, mais que o quádruplo da proporção da população que obtém essa renda na cidade de São Paulo (Gráfico 2);

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  1. Apenas 3% dos manifestantes afirmou ter votado em Dilma, contra 79% que disseram ter votado em Aécio Neves, praticamente o mesmo percentual (82%) da manifestação de 15/03/2015;

Portanto, embora significativamente maior que as manifestações de 2015, o protesto de 13/03/2016 não é uma amostra representativa do eleitorado brasileiro, o que evidentemente não a torna menos legítima. As únicas alterações relevantes foram o aumento da proporção de brancos e da idade dos manifestantes. O aumento quantitativo é um indício que o topo da pirâmide social tem se tornado ainda mais avesso ao governo Dilma. A grande maioria dos eleitores de Dilma não estavam na Avenida Paulista em 13/03/2016.

Isso não significa, entretanto, que a situação da presidenta Dilma seja confortável. Na última pesquisa Datafolha sobre o assunto, de 24 e 25/02/2016, 60% dos brasileiros se disseram favoráveis ao afastamento da presidenta Dilma e 64% o consideram ruim ou péssimo, percentual estatisticamente igual à pesquisa realizada em abril do ano passado[3]. Embora o Nordeste seja a região onde a avaliação negativa de Dilma seja menor, 51% dos nordestinos avaliam a presidenta como ruim ou péssima. O perfil regional da avaliação da presidenta Dilma está intimamente relacionado à evolução das economias regionais: no centro-sul do Brasil, a recessão já vem ocorrendo desde 2014, enquanto no Norte e Nordeste a recessão começou em 2015[4]. Em outras palavras, o grande risco para a presidenta Dilma não foi o protesto gigantesco em São Paulo, mas a manutenção de má avaliação decorrente do aprofundamento da recessão em regiões com concentração dos eleitores petistas. Se eu pudesse sintetizar em uma frase minha impressão, diria que cresceu a probabilidade de impeachment de Dilma porque aumentou a disposição de quem se opõe a ela, ao passo que quem votou nela em 2014 se encontra desencantado com o governo e não parece disposto a defendê-lo.

Sinais de alerta

Embora o perfil socioeconômico dos manifestantes não tenha variado significativamente entre 2015 e 2016, há dois sinais muito preocupantes. O primeiro é captado na pesquisa Datafolha: em 15/03/2015, 37% dos manifestantes afirmavam preferir o PSDB, contra 21% na manifestação do último domingo. Isso significa dizer que o aumento no número de manifestantes do ano passado para 2016 foi composto majoritariamente por pessoas sem preferência partidária. Certamente reflete os escândalos de corrupção que atingem os políticos tradicionais. Isso ajuda a explicar as vaias a Geraldo Alckmin, Aécio Neves (PSDB) e Marta (PMDB). Sou bastante pessimista quanto a isso. Há quem veja nessa aversão aos políticos tradicionais a possibilidade do surgimento de novas lideranças de perfil mais conciliador e não associadas às denúncias de corrupção, como Marina Silva. Parece-me, entretanto, que seguiremos o caminho da Itália após a Operação Mãos Limpas, no qual o eleitorado tenderá a apoiar candidatos com discursos mais radicais e pessoas já expostas pela mídia. Geraldo Alckmin (PSDB) parece ter captado essa mudança no perfil do eleitorado ao apoiar a candidatura de João Dória Jr. à prefeitura de São Paulo.

A aversão aos políticos tradicionais é acompanhada por um aspecto assustador: em pesquisa realizada nas manifestações de março e abril de 2015 em São Paulo, o cientista Político Jairo Pimentel constatou que pouco mais de um terço era favorável a uma intervenção militar[5], praticamente o mesmo percentual apurado pelo Instituto Paraná em 13/03/2016[6]. A combinação de aversão à política tradicional, recessão e pouco apreço à democracia é muito perigosa e deve ser acompanhada de perto.

[1] http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2015/03/17/manifestacao-15-03.pdf

[2] http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2016/03/14/manifestacao_13_03_2016.pdf

[3] http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2016/02/29/avaliacao_dilma_rousseff.pdf e http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2015/04/13/avaliacao_governo_dilma.pdf

[4] http://www.bcb.gov.br/pec/boletimregional/port/2016/01/br201601P.pdf

[5]http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/4-Dossie-Abril-2014-Jairo-Pimentel1.pdf

[6] http://www.oantagonista.com/posts/pesquisa-na-paulista-13-milicos-nunca-mais

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6 comentários sobre “Comparação das pesquisas sobre manifestações

  1. Parabéns, excelente visão. Ficou claro que as manifestações mostram menos “o que pensa o Brasil” e mais “quem no Brasil está se mobilizando”. O que nõa deixa, como você salientou, de ser grave.

    Chances de repetir o estudo com os dados das manifestações de 18/03? 🙂

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    1. Obrigado, Leonardo. Neste exato momento estou escrevendo sobre os atos de 18/3. Assim como os atos pró impeachment, 18/3 repetiu as manifestações do ano passado em escala pouco maior que o dobro. Equilíbrio? Não exatamente. A pesquisa Datafolha mostra discreto aumento do apoio ao impeachment.

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