Em meio à crise fiscal, entre 2013 e 2015 a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) foi o ente federativo que mais reduziu o grau de endividamento

Em 2015, houve deterioração fiscal expressiva e generalizada causada principalmente pela combinação de três fatores:

– O aumento da carga tributária de 32,43% para 32,71% do Produto Interno Bruto (PIB)[1] não foi suficiente para impedir a queda nas receitas públicas devido ao recuo de 3,8% do PIB;

– O real se depreciou 47% frente ao dólar, fechando 2015 cotado a R$ 3,90. Para o governo central, embora o Banco Central do Brasil (BCB) tenha perdido 1,7% do PIB com swaps cambiais, a dívida líquida teve aumento modesto, pois o elevado nível de reservas tornou o governo central credor líquido externo. Para os entes subnacionais, que em geral são devedores externos líquidos, isso significou elevação abrupta da carga de juros da dívida externa;

– A depreciação cambial e o reajuste de preços administrados acarretou alta de inflação, motivou a manutenção da taxa Selic em patamar elevado e aumentou o custo da dívida pública. O IGP-DI, índice de preços que corrige as dívidas de entes subnacionais com o Tesouro Nacional, aumentou 10,7%.

Neste artigo, analisamos os indicadores de endividamento dos 53 entes federativos para os quais o BCB publica dados individualizados: estados, capitais de estados e Distrito Federal (DF) no final dos anos de 2008, 2010, 2012, 2014 e 2015. Entendemos que tanto os indicadores de endividamento publicados pelo BCB, quanto os publicados quadrimestralmente pelos entes subnacionais deixam de considerar passivos relevantes para a dívida pública e, por essa razão, desenvolvemos o conceito de Dívida Líquida Ampliada (DLA), que soma a dívida líquida calculada pelo BCB, os estoques de precatórios vencidos e não pagos e os restos a pagar processados. Para que seja possível comparar entes federativos de diferentes orçamentos, a DLA foi dividida pela Receita Corrente Líquida (RCL). Para mais detalhes sobre a metodologia adotada, vide Apêndice I com a metodologia adotada no final deste artigo.

Entre dezembro de 2008 e dezembro de 2012, período que coincide com os mandatos dos prefeitos eleitos em 2008, o PIB cresceu em média 3,3% ao ano e o IGP-DI 5,5%, resultando em melhora geral de indicadores fiscais: a relação DLA/RCL caiu de 130% para 118%. A Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) também reduziu a DLA de 277% para 264% da RCL, portanto em ritmo inferior à média dos entes subnacionais (Gráfico 1). Mesmo reduzindo o grau de endividamento, a PMSP se manteve como o ente federativo mais endividado do país durante todo o período.

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Fonte: BCB, estados, DF e municípios

Já entre dezembro de 2012 e dezembro de 2013, período coincidente com os três primeiros anos de mandatos dos prefeitos eleitos em 2012, o PIB teve queda média anual de 0,3% e o IGP-DI aumentou em média 6,8% ao ano. Por essa razão, a Dívida Líquida Ampliada (DLA) aumentou de 118% para 135% da RCL, com aumento concentrado em 2015. Em diversos entes federativos isso tem resultado em insuficiência de recursos financeiros e o consequente acúmulo de restos a pagar e atraso de fornecedores e servidores públicos. Em casos mais graves, a própria solvência dos entes federativos está ameaçada. Há poucas exceções a esta tendência e a PMSP é uma delas. Nos três primeiros anos da administração de Fernando Haddad (PT), a PMSP foi o ente federativo que mais reduziu a relação DCL/RCL (-34%), seguido por Salvador (-29%), administrado por ACM Neto (DEM) e Cuiabá (-26%), cujo prefeito é Mauro Mendes (PSB). A queda do endividamento é ainda mais notável pelo fato que, entre os seis entes federativos com DLA maior que 150% da RCL, a PMSP foi o único que reduziu o grau de endividamento, passando de 1º a 3º ente mais endividado (Gráfico 2).

Em situação oposta, o estado do Rio de Janeiro é o ente que apresentou aumento de endividamento mais expressivo, de 169% para 239% da RCL. O caso do Rio de Janeiro é sui generis porque, além dos efeitos da recessão e alta da inflação, entre 2009 a 2015 as despesas com folha de pagamento cresceram 16% ao ano, recorde entre todos os estados. Em decorrência da crise fiscal, apenas em 2015 as dívidas com precatórios e restos a pagar processados do estado aumentaram 83%. Outro estado que apresentou deterioração fiscal expressiva foi Minas Gerais, foi intensificado pelo aumento do endividamento externo entre 2010 e 2014 e pelo aumento de 113% nas despesas com pessoal entre 2009 e 2015. Mesmo o estado de São Paulo, que não apresenta situação fiscal tão dramática, a DCL aumentou de 183% para 204% da RCL em 2015.

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Fonte: BCB, estados, DF e municípios

A disciplina fiscal do município de São Paulo também se reflete nas despesas de pessoal, que representavam 34,54% da RCL no final de 2015, índice bastante inferior ao limite de 60% definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em decorrência da combinação de redução do endividamento e controle nas despesas com pessoal, a PMSP formalizou a renegociação da dívida com o Tesouro Nacional, abatendo 48% da DLA, reduzindo a relação DLA/RCL para níveis ainda elevados, mas sustentáveis. Como se pode observar no Quadro 1, os entes federativos que conseguiram abatimentos mais elevados da dívida foram os municípios de Salvador e Cuiabá que, como a PMSP, empreenderam elevados esforços de ajuste fiscal nos últimos três anos.

Quadro 1: Estados, DF e capitais que formalizaram acordos de renegociação de dívidas com a União respaldados pela Lei Complementar 148/14

Abatimento da dívida (A) – R$ milhões

A/DLA

A/RCL

PMSP       47.737 48% 109%
Paraná           931 4% 3%
Salvador           764 66% 15%
DF           459 5% 2%
Goiás           376 2% 2%
Cuiabá           281 64% 18%
Belo Horizonte           174 4% 2%

Fonte: Ministério da Fazenda[2]

Embora críticos e defensores da administração de Fernando Haddad priorizem o debate sobre ciclovias, mobilidade urbana e ações pontuais como limites de velocidade das marginais e fechamento de vias públicas para automóveis aos domingos, o grande legado da atual administração foi tornar o município solvente. Antes mesmo da renegociação da dívida com o Tesouro Nacional, a PMSP vinha apresentando redução expressiva do grau de endividamento.

Apêndice I – Metodologia de cálculo da dívida líquida

A LRF define Dívida pública Consolidada (DC) como montante total de obrigações financeiras de ente da federação para amortização em prazo superior a doze meses (art. 29, I), abarcando os precatórios vencidos e não pagos incluídos em orçamentos de anos anteriores (art. 30, § 7º). As operações de crédito por Antecipação de Receita Orçamentária (ARO), por serem realizadas em prazo inferior a doze meses, não integram a dívida pública (LRF, art. 38).

A Resolução 40/01 do Senado, que regulamenta os limites de endividamento de estados, DF e municípios, por sua vez, estabeleceu que integram a DC os precatórios emitidos a partir de 5.5.2000 (quando entrou em vigor a LRF) e não pagos durante a execução do orçamento em que houverem sido incluídos.

Para efeitos de cumprimento dos limites de endividamento a Resolução 40/01 considera a Dívida Consolidada Líquida (DCL), igual à DC após a dedução de disponibilidades de caixa e demais ativos financeiros não comprometidos com os restos a pagar processados, que são despesas liquidadas, mas não pagas, até 31 de dezembro do exercício anterior (Lei 4.320/64, art. 36). Até o final de 2016, a relação entre a DCL e a RCL não poderá exceder 120% para os municípios e 200% para estados e DF (Resolução 40/01 do Senado, art. 3º).

O conceito de dívida líquida utilizado pelo BCB na Nota de Política Fiscal[3] é diferente. Para os entes subnacionais, a dívida inclui: i. dívidas renegociadas sob amparo das Leis 8.727/93 e 9.496/97 (estados e DF) e Medida Provisória 2.185/01 (municípios); ii. dívidas reestruturadas; iii. dívidas bancárias (inclusive ARO); iv. adiantamento de royalties, dívida do Estado do Rio de Janeiro (MP nº 2.179) com o Tesouro Nacional, dívidas com o Fundeb e dívidas dos Votos 340 e 548, incluídas no refinanciamento da Lei 7.976/1989; v. dívida externa líquida. A dívida líquida é obtida a partir da dedução de arrecadação a recolher, depósitos à vista, aplicações financeiras e títulos públicos da carteira dos estados[4]. As informações utilizadas pelo BCB são prestadas pelo Tesouro Nacional e pelas instituições do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e são consideravelmente mais precisas que aquelas prestadas pelos entes subnacionais no Relatório de Gestão Fiscal (RGF) da LRF. Por outro lado, precatórios e restos a pagar processados não são registrados em instituições que fazem parte do SFN e não são dívidas dos entes subnacionais com o Tesouro Nacional, e, por essa razão, não são considerados nas estatísticas do BCB[5].

Por essa razão, criei o conceito de “Dívida Líquida Ampliada” (DLA) para avaliar a trajetória fiscal dos entes subnacionais, somando a dívida líquida divulgada pelo BCB com dívidas com precatórios vencidos e não pagos e restos a pagar processados divulgados pelos entes subnacionais. A principal vantagem deste conceito ampliado é que ele é menos susceptível à manipulação dos entes subnacionais. Antes mesmo da crise econômica atual, os entes subnacionais priorizam o pagamento de precatórios posteriores a 5/5/2000 porque os precatórios anteriores a 5/5/2000 não são levados em conta para o atingimento de metas fiscais. Na crise, outra reação dos entes subnacionais é postergar pagamentos a fornecedores e servidores, o que se evidencia pelo aumento nos restos a pagar.

Neste artigo, analisamos estatísticas de endividamento de todos os estados, DF e capitais de estado, para os quais o BCB publica dados individualizados. Em dezembro de 2015 a dívida líquida desses 53 entes federativos era de quase R$ 797,4 bilhões[6], o que representava 103% da dívida líquida de todos estados, DF e municípios. Em outras palavras, o conjunto de municípios que não são capitais de estados tinha posição credora líquida de R$ 25,7 bilhões. No final de 2015, a dívida com precatórios de estados, DF e capitais de estado era de R$ 72 bilhões (1,2% do PIB), sendo 16% anteriores a 5.5.2000 e, portanto, não considerados na DCL para o atendimento das metas de endividamento determinadas pelo Senado. Já os restos a pagar processados totalizaram R$ 42 bilhões no final de 2015 (0,7% do PIB), aumento expressivo em relação aos R$ 30,6 bilhões (0,5% do PIB) registrados no final de 2014. Isso significa que, se o BCB considerasse os passivos com precatórios vencidos e não pagos e restos a pagar processados, a dívida pública seria pelo menos R$ 113,9 bilhões (1,9% do PIB) maior que o informado.

Apêndice II – Lacunas nos dados informados pelos entes subnacionais

Rondônia não divulgava dados de dívidas com precatórios anteriores a 5.5.2000 até 2008, o que fica evidente porque, a partir de 2010 surgem débitos de precatórios anteriores a 5.5.2000.

Alagoas e Goiás não divulgavam dados de dívidas com precatórios (anteriores e posteriores a 5.5.2000) até 2010, o que fica evidente porque, a partir de 2012, surgem dívidas com precatórios anteriores a 5.5.2000.

Paraná incluía todos precatórios (anteriores e posteriores a 5.5.2000) na DCL, o que não altera a análise realizada neste artigo, mas inflava indevidamente a DCL considerada para atingimento do limite de endividamento determinado pelo Senado.

No RGF de Maceió referente a 2014 e 2015[7], os débitos com precatórios e restos a pagar processados apareceram zerados, o que subestima o nível de endividamento do município.

No RGF do Distrito Federal de 2015 os débitos com precatórios e restos a pagar processados ainda não foram atualizados e exibem os mesmos valores de 2014.

Rio Grande do Norte não divulgou o RGF do último quadrimestre de 2015, de modo que os débitos com precatórios e restos a pagar processados utilizados foram do final de agosto de 2015, último dado disponível.

Apenas a partir de 2013 Porto Velho divulga dados de dívidas com precatórios (anteriores e posteriores a 5.5.2000), o que fica evidente porque, a partir de 2013, surgem dívidas com precatórios anteriores a 5.5.2000. Com isso, a dívida com precatórios, divulgada como nula em 2012, passa a R$ 710 bilhões (76% da RCL). Ou seja, o aumento no endividamento decorre de reconhecimento de passivos anteriores a 2013.

Apêndice III – Quadro 2: Evolução da relação DLA/RCL

Dez.08 Dez.10 Dez.12 Dez.14 Dez.15 Após renegociação
RS 2,49 2,28 2,33 2,22        2,57  
RJ 1,65 1,75 1,69 2,03        2,39  
PMSP 2,77 2,82 2,64 2,38        2,30 1,21
MG 1,78 1,86 1,88 1,97        2,22  
SP 2,11 1,86 1,80 1,83        2,04  
AL* 1,80 1,55 1,55 1,57        1,80  
Porto Velho* -0,16 -0,12 -0,11 0,90        1,41  
MA 0,72 0,74 0,69 0,76        1,16  
GO 1,35 1,12 1,18 1,05        1,12 1,09
MS 1,25 1,29 1,13 0,99        0,98  
AC 0,20 0,52 0,56 0,66        0,89  
PR 1,25 1,14 0,88 0,84        0,81 0,78
SE 0,22 0,40 0,59 0,62        0,80  
PMRJ 0,57 0,20 0,53 0,57        0,78  
PE 0,38 0,38 0,47 0,58        0,75  
SC 0,94 0,89 0,68 0,64        0,73  
BA 0,76 0,59 0,57 0,56        0,67  
PI 0,60 0,56 0,66 0,75        0,66  
PB 0,48 0,42 0,44 0,57        0,63  
CE 0,24 0,29 0,35 0,45        0,62  
B. Horizonte 0,26 0,35 0,40 0,49        0,56 0,54
DF* 0,49 0,52 0,43 0,36        0,53 0,50
AM 0,12 0,27 0,15 0,34        0,49  
RO 0,31 0,62 0,52 0,61        0,49  
Florianópolis 0,22 0,31 0,36 0,30        0,47  
MT 1,08 0,82 0,45 0,40        0,38  
TO 0,13 0,19 0,24 0,33        0,37  
Aracajú 0,15 0,14 0,15 0,25        0,33  
AP 0,02 0,01 0,04 0,03        0,31  
ES 0,15 0,22 0,17 0,25        0,29  
Cuiabá 0,60 0,71 0,54 0,29        0,28 0,10
Manaus 0,05 0,00 0,00 0,03        0,27  
Natal 0,06 0,13 0,11 0,25        0,27  
RR 0,21 0,53 0,44 0,21        0,26  
Rio Branco 0,14 0,22 0,33 0,31        0,24  
Salvador 0,47 0,68 0,53 0,33        0,23 0,08
S. Luís -0,05 0,02 0,16 0,14        0,22  
P. Alegre 0,06 0,02 0,08 0,12        0,21  
RN* 0,13 0,14 0,24 0,08        0,18  
Belém -0,05 -0,03 0,09 0,08        0,17  
Fortaleza -0,03 -0,01 0,06 0,16        0,16  
Recife 0,21 0,11 0,11 0,07        0,16  
Goiânia -0,06 -0,05 -0,12 -0,01        0,12  
Curitiba 0,11 0,07 0,06 0,13        0,12  
PA 0,19 0,26 0,10 0,11        0,12  
Vitória -0,10 0,06 0,08 0,03        0,07  
Macapá 0,37 0,00 -0,04 0,03        0,04  
C. Grande -0,14 -0,08 -0,03 -0,11 -0,01  
J. Pessoa -0,02 -0,11 0,05 -0,07 -0,06  
Maceió 0,08 -0,08 -0,14 -0,18 -0,12  
Teresina -0,12 -0,17 -0,17 -0,20 -0,12  
Palmas -0,04 -0,09 -0,18 -0,22 -0,14  
Boa Vista -0,20 -0,51 -0,31 -0,43 -0,47  
Total 1,30 1,24 1,18 1,19 1,35  

Fonte: BCB e governos regionais

[1] http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/246449/Nimmar2016.pdf/53492158-cc23-4b41-81fe-d59d31d2fe80

[2] 2016-04-19_06-a-adesao-a-lei-complementar-no-148-de-2014.pdf

[3] http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC

[4] http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/finpub/cap5p.pdf

[5] http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/estudos/artigos/2005/es152005.pdf

[6][6] http://www.bcb.gov.br/htms/Infecon/serieHistEstatFR.asp

[7] http://www.transparencia.maceio.al.gov.br/

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